domingo, 7 de abril de 2013

AS SESMARIAS DO "SERTÃO DOS ÍNDIOS COROADOS"


 Antes de falar sobre as sesmarias da região de Petrópolis, é necessário entender o que é uma e como era concedia.
 Com o descobrimento do Brasil em 1500, Portugal achou por bem incentivar a colonização das novas terras do outro lado do oceano, a fim de protegê-las da ação de piratas e da invasão de ingleses, franceses, holandeses que tinham interesse pelas riquezas naturais locais.
 Em 1534, D. João III dividiu a terra em 15 lotes que se estendiam da costa marítima até a linha do Tratado de Tordesilhas no interior do Brasil, visando assim atrair colonos para essas terras recém descobertas. Esses grandes lotes de terras receberam o nome de Capitanias, que eram doadas de forma hereditária, a nobres da Corte Portuguesa.
 Os Donatários, era o nome dado aos proprietários das Capitanias, tinham o poder de subdividir as suas terras em pequenos lotes, chamando assim de sesmarias, entre parentes ou pessoas de boa procedência, dispostos a colaborar com o andamento da povoação e a abertura de caminhos e desenvolver a agricultura. 
 As sesmarias quando foram doadas não tinham um tamanho especifico, determinar o seu tamanho ficava a cargo do Donatário, sua mediação era feita em léguas quadradas, ficam conhecidas popularmente como “Quadras”.
 As primeiras sesmarias do vale do Piabanha, hoje Petrópolis, foram doadas no tamanho de uma légua, ou seja, 6.600 m². Com o crescimento demográfico da região elas tiveram seus tamanhos reduzidos para meia légua (3.300 m²). Existiam também sesmarias bem menores, que eram os restos das terras resultantes das medições judiciais nas divisões das quadras.
 Os proprietários das sesmarias eram chamados de sesmeiros e podiam dividir as suas terras, como herança ou vendendo-as. A partilha dessas terras contribuiu em muito para o desenvolvimento do povoamento da região do vale do Piabanha com o surgimento de várias roças, sítios e fazendas.
 Um pedido de concessão de sesmaria era feito primeiramente ao Governador da Capitania, o Donatário, que em seguida encaminhava o processo para a Câmara Municipal do local. A Câmara Municipal verificava a disponibilidade das terras que eram solicitadas e dava um prazo de 30 dias para contestações de posseiros ou de limites.
 Na “Serra Acima do Inhorimim” ou “Sertão dos Índios Coroados”, como era chamada no início a futura região de Petrópolis, os pedidos de concessão de sesmaria eram encaminhados a Câmara Municipal da Vila de Nossa Senhora da Piedade de Magé, a que estava subordinado o território.
 Não havendo nenhum empecilho por parte da autoridade municipal, era ouvido o Provedor da Coroa, responsável por verificar se o pedido atendia aos interesses da Coroa, o bem e se o requerente possuía cargos oficiais e apoiava obras de caridades principalmente as patrocinadas pela Ordem de Cristo, se tinha família e por fim se possuía escravos, item essencial para o trabalho braçal.
 Depois era feita a mediação da sesmaria requerida, o Governador produzia em nome do Rei de Portugal, a Carta Foral, documento de doação das terras. Porém o sesmeiro só viria a ter posse definitiva após dois anos, por meio da Carta Régia que confirmava a doação mediante a constatação da Provedoria da Coroa sobre o bom aproveitamento das terras.
 O rei concedia as terras da Coroa Real, em troca da prestação de serviços do sesmeiro, que deveriam atender os interesses reais e da comunidade local.
 Os interesses da Coroa Portuguesa pela região do vale do Piabanha eram:
a)    Manter conservada a via de comunicação entre as Minas e o porto do Rio de Janeiro;
b)    Proporcionar abrigo e alimentação aos tropeiros, funcionários e animais de carga que transitavam pelo Caminho Novo;
c)    Prestar serviços de travessia dos rios por meio de canoas;
d)    Construir e manter em bom estado pontes sobre os rios;
e)    Propagar o Cristianismo, que acordo com os princípios do Rei.
f)     Manter o monopólio sobre as riquezas naturais, em especial de madeira, para a construção de navios e cuidar do seu replantio.

 Bernardo Soares Proença, Sargento-Mor, o primeiro sesmeiro que recebeu terras na região aonde hoje se encontra o Itamarati, através da Carta Foral de 11 de Junho de 1721, sendo confirmada dois anos depois em 1723.
 O nome Itamarati, vem do Tupi-Guarani e significa “Rocha brilhante”, devido à grande cascata que se forma na altura da antiga fábrica Companhia Petropolitana, local hoje conhecido como Cascatinha.
 Veja abaixo alguns trechos da Carta Foral de 11 de Junho de 1721, concedendo a sesmaria do Itamarati a Bernardo Soares Proença:

“Aires de Saldanha (...) Governador da Capitania do Rio de Janeiro (...0 faço saber aos que esta minha carta de sesmaria virem que havendo a representar-me por uma petição o Sargento Mor Bernardo Soares de Proença que no distrito desta cidade, onde acabam as terras da sesmaria de Francisco de Matos Filgueiras e de João de Matos Sousa, detrás da Serra do Frade e da Serra da Tocaia Grande, se acham terras devolutas e ele suplicante com obrigação de fixar e com escravos para as poder cultivar pedindo-me que lhe mandasse dar por sesmaria uma légua de terras em quadra (...) correndo o sertão pelo mesmo rumo que correr o caminho geral que se há de abrir de Paraíba a vir buscar as saídas das quebradas da dita Serra do Frade para que assim fique dividido o dito caminho geral pelo meio a dita terra em quadra desde o fim do seu sertão até o seu principio (...) para (...) efeito de mais utilidade e serventia das ditas serras e para melhor aproveitamento de que também se sirva de proveito aos Reais Dízimos e bem comum; hei por bem fazer mercê ao dito Sargento-Mor Bernardo Soares de Proença de lhe dar em nome de Sua Majestade, que Deus guarde, as referidas terras por sesmarias (...) sem prejuízo de terceiro ou do direito de algumas pessoas possam ter a elas, com a declaração que as cultivará e mandei confirmar esta minha carta por sua Majestade, que Deus guarde(...).
Dada nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, aos 11 dias do mês de novembro de 1721.
João Pai de Paredes a fez
O Secretário José Ferreira da Fonte a fez escrever
(assinado) Aires Saldanha”.

Veja abaixo trechos da Carta Régia de 1723, confirmando a sesmaria:

“Dom João por graça de Deus, rei de Portugal dos Algarves daquem e além mar em África, Senhor de Guiné e da conquista, navegação, comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc. Faço saber aos que essa minha carta de confirmação de data de terras e sesmaria virem que tendo respeito e se me apresente e por parte do Sargento-Mor Bernardo Soares de Proença (...) pedindo-me(...) por quanto (...) o Governador (...) lhe fizera mercê em meu nome de uma légua de terra em quadra no distrito detrás da Serra do Frade e da Serra da Tocaia Grande (...) Hei por bem fazer-lhe mercê de lhe demarcar a dita légua de terra (...) que antes de tomar posse será obrigado a medir e demarcar essa data (...) e pagar dízimos e os demais encargos que lhe quiser impor de novo. Pelo que mando ao Governador e ao Provedor de minha fazenda dela e mais Ministros a que pertencer cumpram e guardem esta minha carta de confirmação e a façam cumprir e inteiramente como nela se contém (...).
Ribeiro fez em Lisboa Ocidental, 30 de Julho ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1723.
O secretário André Lopes de Lavre a faz escrever]
(assinado) EL REI”.

 As outras sesmarias concedidas pela Coroa Portuguesa segundo Rabaço, foram:

“a) ‘Quadra das Pedras’, nome derivado do pico da Maria Comprida, onde seu proprietário, o Dr. Euzébio Alves Ribeiro desenvolveu importante fazenda e construiu a Capela Nossa Senhora da Conceição das Pedras em 1734, que foi o primeiro templo a proporcionar assistência religiosa das florestas de “serra acima”.

b) ‘Quadra de Araras’, banhada pelo rio desse nome, do Capitão Luís Peixoto da Silva que vendeu a maior parte de suas terras a Manuel Antunes Goulão que ali desenvolveu a progressista Fazenda do Rio da Cidade e construiu a Capela de Nossa Senhora do Amor de Deus, em 1751.

c) ‘Quadra do Rio Morto’, na confluência do referido rio com o Piabanha, concedida a Manuel Antunes Goulão, que já era proprietário no Rio da Cidade. Nessa sesmaria surgiu a mais importante da fazenda da região “serra acima”, a Fazenda do Padre Correia, conhecida primitivamente como o Sítio da Posse ou Sítio do Correia. Essa antiga fazenda que deu origem ao atual povoado de Corrêas, 2° distrito de Petrópolis. Foi preservado pela Secretaria do Patrimônio Histórico de Artístico Nacional, o conjunto arquitetônico da antiga casa grande e sua capela dedicada a Nossa Senhora do Amor Divino, que é o mais valioso monumento da proto-história de Petrópolis, graças à valiosa colaboração das Irmãs de Caridade São Vicente de Paulo que ali instalaram uma Obra Social. 

d) ‘Quadra da Paciência’, cortada pelo rio desse nome, na região dos atuais bairros do Carangola, Retiro e Caitetu, que foi vendida pelo Capitão Francisco Muniz de Alburquerque e Manoel Correia da Silva, que já sendo dono no Rio da Cidade e que tendo herdado no Rio Morto, tornou-se o maior proprietário de terras no vale do Piabanha. Da ‘Quadra da Paciência’ foram desmembradas entre outras as Fazendas do Retiro de São Tomás e São Luís e da Olaria.

e) ‘Quadra do Alcobaça’, onde se destaca o pico desse nome, concedida a Francisco Muniz de Alburquerque. Aí surgiu a Fazenda da Samambia com a sua capela de Nossa Senhora da Conceição, cujo mais célebre proprietário foi o Cônego Luis Gonçalves Dias Correia, primeiro Vigário de Petrópolis, sobrinho do celebre Padre Correia.

f) ‘Quadra de Itaipava’, cortada pelo rio Piabanha e seu afluente Santo Antônio, concedida a José Ferreira Fonte, Secretária da Capitania, que já era proprietário no Rio Fagundes. Essa sesmaria era conhecida como “Quadra de Magé, uma vez que foi desenvolvida por colonos trazidos da baixada fluminense. Dentre as Fazendas que surgiram na região destaca-se a Fazenda Santo Antônio e sua capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, desenvolvida por Agostinho Correia da Silva Goulão, irmão do Padre Correia.

g) ‘Quadra do Rio Preto’ no vale do mesmo nome, concedida a Boaventura da Cruz Alves e que com outras sesmarias do “sertão dos índios coroados”, deu origem ao Curato de São José de Serra Acima, criado pela Carta Régia de Dom João VI em 20 de Dezembro de 1813, constituindo hoje a cidade de São José do Vale do Rio Preto.”

 Não podemos esquecer a sesmaria do Itamarati, de Bernardo Soares Proença, extremamente importante para o desenvolvimento urbano de Petrópolis, “Quadra” da qual foi desmembrada dando origem a Fazenda Córrego Seco, anos mais tarde comprada por Pedro I, em 1830.








Fonte:

RABAÇO, Henrique José. História de Petrópolis. IHP. 1985

LACOMBE, Lourenço Luís. Antecedentes Históricos; penetração para Minas; as sesmarias; In: Geopolítica dos Municípios, Rio de Janeiro, 1958

LACOMBE, Lourenço Luís. As primeiras sesmarias do município. In: Trabalhos da Comissão do Centenário, Vol. VI p. 241, P.M.P, 1943.

5 comentários:

  1. Sou Petropolitana, simpatizante do Governo Parlamentarista Monárquico, por esse motivo encontrei esse site que muito me surpreendeu com seu conteúdo histórico esclarecedor. Minha gratidão.

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  2. Parabéns pelo trabalho que é muito importante para se conhecer o ``nascer´´ de Petrópolis.

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