quinta-feira, 30 de junho de 2016

O SOFRIMENTOS DOS COLONOS DURANTE A VIAGEM PARA O BRASIL A BORDO DO NAVIO “MARIE” EM 1845

Segue abaixo a carta enviada pelos colonos ao imperador d. Pedro II, quando aportaram no Brasil os colonos do navio “Marie” em agosto de 1845. Suplicando ajuda de Sua Majestade, devido aos transtornos sofridos ao longo de 74 dias de viagem da Europa ao Brasil.

“Ao louvadíssimo Governo Imperial da Provincia do Rio de Janeiro:
 Os obdedientíssimos, abaixo assinados, pobres imigrantes alemães, que arriscaram e deram o grave passo de deixar sua pátria, para estabelecer no Brasil e entregar-se à proteção do poderossíssimo Imperador dom Pedro II e respectivamente do seu fiel e louvabilíssimo Governo Provincial, permitem-se humildemente, aconselhados pelo Capitão de seu navio, o sr. Chastell, apresentar respeitosamente a seguinte queixa:
 Como é sabido, o Governo Imperial desta Província contratou com a casa Charles Delrue & Companhia, de Dunquerque, pagar-lhe, por cada pessoa de 15 a 40 anos 245 francos; de 5 a 15 anos 122 e meio francos,e nada para as crianças menores de 5 anos; além dessas quantias, a casa Delrue nada mais receberia; e nós deveremos reembolsar estas importâncias ao Governo Provincial, com o suor do nosso rosto.
 Delrue, porém, não satisfeito ainda com este arranjo, e pondo nenhum limite-se à sua cobiça conseguir, também conosco uma quantia, por cada pessoa de 15 a 40 anos 80 francos; de 5 a 15 anos 40 francos; e pelas crianças menores de 5 anos 10 francos. E isso de maneira tão escandalosa, que não podemos abster-nos de relatar essas extorsões, ao Governo Imperial.
 Em Colônia, onde os sequazes de Delrue estavam agindo, extorquiram de nós as mencionadas quantias, a título de cauções, mediantes recibos, com a promessa de que as mesmas importâncias nos seriam restituídas pelo Governo Imperial, ou pelo menos haveríamos de ser indenizados, por outra maneira.
 Tal pagamento, apesar da resistência da maioria dos imigrantes, de fato, teve que ser efetuado. Em Dunquerque, na casa Delrue, de alguns que se encontravam inteiramente sem meios, com ameaças, extorquiram documentos de confissões de dívidas, e a outros arrancaram os recibos passados, a pretexto de anexá-los aos outros documentos, e assim apresentá-los ao Governo Imperial Brasileiro. Todos nós duvidamos que isso aconteça,e estamos firmemente persuadidos que a casa Delrue cometeu conosco uma grande fraude.
 E, ainda não contente com estas extorsões, contratou a referida casa conosco, acerca das provisões que deveriam ser fornecidas para a nossa viagem de Dunquerque ao Rio de Janeiro, obrigando-se a prover e fazer entregar-nos a bordo, os seguintes mantimentos: boa carne de vaca e de porco, boa bolacha, legumes secos, diariamente um quarto de medida de cerveja, duas vezes por semana bebidas espirituosas,e nos domingos um quarto da medida de vinho por pessoa; e para cada cama um bom colchão de palha e travesseiro.
 Mas, de tudo isso, nada foi fornecido na forma estipulada. A casa Delrue, após obter astuciosamente os citados recibos, mandou-nos levar para bordo e partir no navio “Marie”.
 É compreensível que, no primeiro tempo, em que reinava entre os imigrantes enjôo de mar, os comestíveis fossem distribuídos com alguma escassez; esperávamos, porém, que no futuro nosso tratamento haveria de melhorar, no que fomos cruelmente enganados.
 Passada a doença estando com fome todos os imigrantes não apareceram os mantimentos estipulados; em vez disso deu-se a cada um apenas uma bolacha, diariamente, e até esta em putrefação e cheia de vermes, o que faria adoecer os mais robusto.
 De manhã, pelas 11 horas, distribui-se a cada um, uma concha de sopa com caldo ralo por assim dizer que água pura, e da mesma maneira à tarde, pelas 5 horas, uma dita concha com sopa de ervilhas ou feijão, preparada de tal maneira, que para 7 ou 8 barris de água podre, calculou-se três quartos a balde de feijão e ervilhas misturadas. De batatas, recebemos ao todo 4 ou 5 cestos, e entre elas estavam ao menos um terço em putrefação.
 Em lugar de recebemos, diariamente, uma regular porção de boa carne, forneceu-se por cabeça, num dia, um garfo de cozinha com peixe podre e fétido, e no outro dia 60 ou 70 gramas de carne, por pessoa.
 Em vez de fornece-nos, diariamente um quarto da medida de cerveja, deram-nos apenas duas vezes por semana, um quarto de litro; e bebidos espirituosas não recebemos se não, nos 3 ou 4 últimos dias, antes da chagada,a razão de um oitavo de litro.
 O vinho prometido não chegamos a provar. Nem todas as camas foram providas de travesseiros.
 Dessa maneira, cerecemos quase de tudo, e passamos amarga forme e sede, com que aflitos à noite nos deitávamos,e de manhã nos levantávamos.
 Nosso Capitão, várias vezes, interrogado a respeito, assegurou-se não haver recebido mais mantimentos de Delrue, e que tínhamos sido enganados por ele e seus sequazes, na maneira mais escandalosa.
 Mais tarde, porém, houve um pequeno aumento de bolacha de forma que se deu uma meia por cabeça, e nos últimos 6 dias duas, por pessoa.
 A maior parte dos imigrantes, que havia trazido de casa pequena provisão de mantimentos, viu-se obrigada a consumi-la ou partilhá-la com seus companheiros famintos, a fim de matar a roedora fome.
 Chegados, finalmente, às praias do Brasil, sem mantimentos e dinheiro, até destituídos de tudo, nós pobres imigrantes vemo-nos obrigados a reconhecer, como é evidente, que fomos escandalosamente enganados por Delrue.
 Por isso, de joelhos, suplicamos, como súditos fiéis, e obedientes, de agora em diante do nosso benigníssimo monarca e soberano, respectivamente do seu fiel Governo Imperial da Província, que de forma alguma reconhecerá e aprovará tal tratamento como justo e razoável em seres humanos, que se digne conceder-nos a augusta graça e proteção, na defesa dos nossos direitos, tomando benignamente as medidas convenientes, em vista das violências e extorsões praticadas em nossas pessoas pelo referido Delrue, a fim de que nos sejam restituídas as quantias, injustamente extorquidas, e sejamos indenizados, a custas do mesmo Delrue, pelos sofrimentos que durante 73 dias padecemos, nas ondas do mar.
 Na almejada esperança que nossa humilde súplica receba o beneplácito do nosso fiel Governo Imperial da Província, permanecemos no mais profundo respeito e humildade, como muito submissos e fiéis súbditos, servos do Governo Imperial da Província.

Redigido, no porto do Rio de Janeiro, em 22 de Julho de 1845
Assinado por:
Augusto Moebus
Jacoby
Lanius
Bauer
H. Auler.
Link
Bender
Jose Hehn
Paulo Hehn
G. Schaeffer
João Pedro Carl
F. G. Schaefer
Eduardo Moebus
Francisco José Sieben
A. Kremer
N. Flescher
Auler
J. Kremer
Carlos Dorr
Kremer
Thomas
Wagner
P. Hoffmann
Retz
Teodoro Eppinghaus
Vogt
Reitz
Neumann
Luebe
Hoffmann
Karl
Moebus
Wierchers
Becker
Hoelz
Schauss
Nienhauss
Nicodemus
Henrique
Plenz
Jorge Pal
Jacó Kaspar
Harrmann Schamenk
M. Dupont."

Referência bibliográfica:
CASADEI, Thalita de Oliveira. Petrópolis – Relatos Históricos. Ed. Grafica Jornal da Cidade,  1991


terça-feira, 28 de junho de 2016

DEPOIMENTOS SOBRE O DIA 29 DE JUNHO DE 1845

Paulo Barbosa da Silva – Mordomo da Casa Imperial

“O que era há quatro meses matas virgens, é hoje uma povoação, branca, industriosa, alegre e bendizente a Vossa Majestade Imperial.”
(Carta a dom Pedro II, em 5 de Setembro de 1845)

“Estou comendo hortaliças já por eles [os Colonos] cultivadas, em lugares até o presente desconhecidos; digo até o dia de São Pedro, em que por um acaso, que não pode deixar de ser determinação celeste, começou a Colônia de Petrópolis, 29 de Junho.”
(Carta a dom Pedro II, em 24 de outubro de 1845).

Alexandre Manuel Albino de Carvalho – Diretor da Imperial Colônia de Petrópolis

“Remontando á sua origem observa-se que Petrópolis não existia há 10 anos, e que em seu lugar tão somente, havia uma Fazenda denominada Corrego Seco, quasi toda coberta de mato, contendo uma casa de vivenda e dois ou tres ranchos de tropeiros; ao passo que hoje, isto é, no dia 1° de Janeiro de 1855, Petrópolis tem para mais de 5.527 habitantes.”
(Relatório apresentado ao Presidente da Província, em 28 de março de 1855)

Dom Pedro II

“Rua Dona Francisca [hoje rua Marechal Deodoro] – a casa-grande pertenceu ao finado Major Koeler e agora é de D. Alda, sogra de Antonio Barbosa, irmão de Paulo Barbosa; neste casa moramos nós, em fim de 47 e principio de 48, a primeira vez que fomos a Petrópolis, depois de estabelecia a povoação.”

Júlio Frederico Koeler – Primeiro Diretor da Imperial Colônia de Petrópolis.

‘Os Colonos vieram como V. Excia. Sabe, repentinamente; em Petrópolis, ainda um mês depois de sua chegada no Brasil, não existia outro edifício senão o de minha residência. Construíram-se depósitos a toda pressa para os receber”

“O tumulto que forçosamente acompanha fundação de uma Colônia nova, e que em grau maior reinou na de Petrópolis , porque ali só havia terra, água e mato, ocasionou as irregularidades que alguém pode ter notado, mas que todo homem consciencioso e de boa fé, terá de certo desculpado.”
(Ofício ao Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro, em 23 de Agosto de 1846).

Galdino Justiniano da Silva Pimentel – Diretor da Imperial Colonia de Petrópolis.

“É fora de toda duvida que este povoado [Petrópolis], que apenas conta quatro anos de existência, já excede em grandeza e comodidade a maior e mais adiantada vila da Província.”
(Relatório apresentado ao Presidente da Província do Rio de Janeiro, em 24 de Janeiro de 1850).

Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho – Presidente da Província do Rio de janeiro.

“Sua Majestade o Imperador, sempre solicito pela prosperidades e engrandecimento do seu Império logo que chegou de Dunquerque o primeiro navio Virginie, trazendo a seu bordo 160 desses Colonos, não só autorizou o seu Mordomo à oferecer ao Governo da Província as suas terras de Petrópolis, para nelas se estabelecerem logo os mesmos. Colonos, visto que eram destinados aos trabalhos da Serra da Estrela, como mesmo se dignou ir vê-los no Arsenal de Marinha, quando indo de Niterói partiram para Petrópolis, e lhes assegurou a sua proteção por meio de alocução, que lhes mandou fazer, e de donativos pecuniários.”

“Foi em 29 de Junho do ano passado, dia de São Pedro [...], que ali chegaram os primeiros Colonos [...]. então, exceto os terrenos colaterais á Estrada, e esses mesmos somente em parte, descortinados, era Petrópolis uma mata virgem; hoje que mudança extraordinária! Ruas e Praças traçadas no seu centro, e já em parte edificadas pelo meio das três Ruas principais; descobriram-se 24 rios maiores e menores no interior, todos afluentes do Piabanha; ás margens deles, de um e de outro lado, abriram-se ruas próprias a transitar seges logo que estejam aperfeiçoadas, deixando-se todo o arvoredo natural que borda esses rios, o que torna extensa alameda tortuosa muito pitoresca além de útil.”

(Relatório apresentado à Assembleia Provincial, em 1° de Março de 1846.)

sábado, 18 de junho de 2016

BANDA DOS GUSTAVOS OU DOS ECKHARDT

 A Banda Gustavos, composta pelos irmãos Eckhardt, foi por muito anos a filarmônica mais conhecida da cidade de Petrópolis.
 No final de 1845, o Conselheiro Aureliano Coutinho, recebeu 3 pedidos dos colonos germânicos de Petrópolis: serem considerados brasileiros, a criação de escolas para seus filhos, e a vinda de sacerdotes de suas respectivas religiões, o que foi atendido prontamente pelo Governo Imperial.
 Os colonos eram um povo alegre e festeiro e trouxeram para Petrópolis suas tradições e costumes.
 Uma de suas características eram o espírito animado e associativo, porém no inicio os encontros e festas se limitavam aos domingos no Passeio Público, atual Palácio de Cristal (daí a Bauernfest ser realizada nessa localidade), a roda de “Biertich”.
 No inicio da colonização não faltaram cervejarias com salões que aos domingos, as famílias dos colonos se encontravam para dançar e os mais velhos saborearem um “schoppen” e jogavam carteado, o 66.
 Para dançar era preciso musica e não era tão fácil arrumar uma banda musical naquela época.
 Enquanto não haviam filarmônicas eram tocados “realejos” nos salões, mas 1847 por meio da uma lei firmada pelo Dr. José Maria da Silva Paranhos, mais tarde Visconde do Rio Branco, na Colônia de Petrópolis deveria haver uma escola de música a fim de ensinar os meninas colonos e brasileiros a prática de instrumentos musicais e canto.
 Esses realejos tocavam nos salões do Rabelais, na rua dos Protestantes, atual rua 13 de Maio; na cervejaria Kremer, atual Bohemia. Substituindo os realejos, surgiu o trio formado por Felipe Molter, no violino, Augusto Herzog, no pistão e mais um que tocava contrabaixo.
 Em 1853, vindo do Grão Ducado de Hessen, aportou no Rio de Janeiro, Gustav Eckhardt, assim que chegou a Petrópolis no mesmo ano resolver fundar um grupo musical com seus conterrâneos: Henrique Pedro e Frederico Esch, Henrique Faulhaber, Francisco Vogel, Pedro Jacob e outros constituindo assim uma banda musical, da qual Gustav era o regente.
 Começaram suas apresentações na casa de Joaquim Martins Correia que possuía uma fábrica de sabão e serraria, na rua Rhenania, atual Washington Luiz, nº6, no local que mais daria lugar a Companhia São Pedro de Alcântara.
 Mais tarde com a saída dos “Esch’s” o velho Gustav Eckhardt manteve sua filarmônica, com seus filhos e continuou tocando nos bailes na casa dos Correias.
 A família Eckhadt residia na rua Westphália, n°1, atual rua Barão do Rio Barão, aonde também realizava os seus ensaios.
 Os oito irmãos integrantes da banda eram: Gustavo, Eduardo, Henrique, Teodoro, Alberto, Arthur, Carlos Eckhardt, que tocavam os seguintes instrumentos: flautim, saxes, corneta, de pistãos, requinta, oficlides e bombardino. Todos também eram carpinteiros, coisa comum entre os colonos, que seguiam a profissão paterna. A regência continuou a cargo do velho Gustav.
 Por serem todos os integrantes filhos de Gustav, o povo passou a denominar a filarmônica de “Banda dos Gustavos”, da banda também faziam parte o bombeiro Francisco Geoffroy ligado aos Eckhardt por meio do casamento com uma das filhas de Gustavo. Francisco era conhecido pelo nome alemão “Geoffroy’s Francshen”.
 Após a morte do fundador da banda, a regência da mesma ficou a cargo de seu filho Henrique e por falecimento deste a batuta passou para o irmão Teodoro Eckhardt, até o fim da filarmônica em 1896, no período republicano.
 Não é possível relatar brevemente as atividades da “Banda” que iam desde a saudação do imperador d. Pedro II, no dia de Ano Bom, 1º de Janeiro, como também as apresentações bo coreto da Bacia, hoje Praça dom Pedro, durante o verão, como faziam outras bandas, as quartas feiras e aos domingos. Todas as festividades locais contavam com a presença e música da Banda dos Gustavos, que se apresentavam muitas vezes nos salões das antigas cervejarias, no Salão Floresta, no morro do Cruzeiro, nos piqueniques, no Cassino Dona Isabel, locais onde os petropolitanos iam para se divertir.
Os Eckhardt’s fizeram se ouvir nas principais festividades da vida local, também conhecidos como “Banda dos Alemães”, executava um programa seleto de polkas, valsas, mazurcas e quadrilhas.
 Encerrou esse artigo com as palavras do historiador Walter Bretz:
 “Ouviu-a Petrópolis de antanho, apreciou-a ex-família imperial e tocou em festas republicanas, até que obedecendo a lei insofismável de todas as coisas humanas, encostou os metais sonoros para sempre...”

  Banda dos Gustavos, nos jardins do Palácio Imperial. Ao centro Teodoro Eckhardt. Acervo Museu Imperial

BIBLIOGRAFIA:

BRETZ, Walter. A Banda de Musica dos “Gustavos”. In Tribuna de Petrópolis, 14 de outubro de 1931
BECHTLUFF, Walter. “Familias Petropolitanas”. In Tribuna de Petrópolis 1º de Julho de 1956
Arquivo Histórico da Biblioteca Municipal de Petrópolis – Certidões de Óbitos.

Depoimentos de membros da família Eckhardt.