A União e Indústria
Seus 123 anos – obra prima e magnífica – iniciativa
privada
A Serra do Mar sempre foi um obstáculo quase
intransponível à ocupação do interior do Brasil. Parte do Maciço Atlântico com
seus granitos, gnaisses e denominações locais, estende-se paralelamente à costa
desde o Rio Paraíba do Sul até Santa Catarina, com uma altura média de mil
metros.
A primeira subida ao planalto interiorano foi
por S. Vicente, premido o ocupante daquele litoral de areias e alagadiços pela
escassez de terras para lavoura.
E as perspectivas se abriram para as entradas,
bandeiras e monções.
Depois, a descoberta das Minas Gerais atraiu
levas e levas de exploradores que partindo do Rio de Janeiro, procuravam
contornar a muralha pétrea de montanha e a selva ínvia que a recobria, buscando
pelo mar o caminho até Parati, daí rumando, já em S.Paulo para Taubaté e
Pindamonhangaba para alcançar o vale do Paraíba e, seguida a correntes do rio,
chegar a Entre Rio (... Três Rios) na foz do Paraibuna, que os levava
finalmente a Minas.
A realização é que a abertura de novos
caminhos para zona de lavras não era incentivada pela Metrópole, com o fito de
dificultar o contrabando. Por outro lado, a exploração da cana-de-açúcar
concentrou as energias do homem fluminense nos primeiros duzentos anos da
economia da colônia e, ademais, centenas de quilômetros de mata virgem em
escarpas se interpunham entre a Baixada e o Altiplano.
Mas, chegou-se a um ponto em que a necessidade
de melhores comunicações se fez imperiosa e guarda-mor, Garcia Rodrigues Paes
tomou a iniciativa de abrir um “Caminho Novo” das Minas para o Rio. Em 1701,
lança-se a empreitada, que lhe tomou quatro anos, a fortuna e ficou incompleta.
Outros retomaram a obra e uma ramificação foi
concluída por Bernardo Soares Proença, passando de Paraíba do Sul, por onde se
entrosava o “Caminho Novo”, por Cebolas, Fagundes, Sumidouro, Corrêas,
Samambaia, Itamarati, Quissamã, descia pela vertente hoje conhecida como Serra
Velha, alcançava Raiz da Serra, Fazenda da Mandioca, Inhomirim e Porto da
Estrela.
Houve outros
“Caminhos Novos”, como informam às vezes contraditoriamente o Padre
André João (Cultura e Opulência do Brasil – 1711) Antonil, Diogo de
Vasconcellos – (História Antiga das Minas Gerais) e Capistrano de Abreu
(Caminhos Antigos e povoamento do Brasil), mas o que nos interessa é o fato,
digamos assim, do “Caminho Novíssimo”, de Proença , ter sido a origem de Petrópolis,
melhorado por Koeler, na serra, ocasião em que o major conheceu a Fazenda
Córrego Seco, por elas se interessou e Petrópolis nela foi implantada, pela
ação direta dele, do Mordomo Imperial Paulo Barbosa e do dono das terras, o
Imperador Pedro II.
E foi de Petrópolis que partiu para o interior
a primeira estrada de rodagem digno desse nome: a União e Indústria.
O Brasil era ainda um imenso arquipélago. As
comunicações como o interior precaríssimas. Por isso a União e Industria foi um
marco decisivo no nosso desenvolvimento.
Iniciativa empresarial, com aspectos modernos,
foi impulsionada pela Cia. União e Indústria, tendo a frente Mariano Procópio
Ferreira Lage.
No dia 12 de abril de 1856, o Imperador e a
Imperatriz, presidiram o ato inaugural dos trabalhos da abertura da nova
estrada em pavilhão armado na hoje Rua Tiradentes (antiga Maria II), na
presença do Presidente da Província, de outras autoridades e de “uma multidão
de homens e senhoras elegantemente vestidas”, como registram as crônicas da época.
O Imperador foi saudado por Mariano Procópio,
que assinalando a importância do acontecimento, disse que “uma nova era, vai
começar para este País”, ao que D. Pedro II respondeu frisando: “Uma empresa
cujo fim é a construção de uma estrada que ligue duas Províncias tão
importantes, e que continuando talvez para o futuro, até as margens do segundo
rio do Brasil, reunirá os interesses de seis Províncias, de certo merece ser
chamada de patriótica”.
Na ocasião, foi inaugurada, no principio do
Quarteirão Westphalia (hoje Av. Barão do Rio Branco) uma placa de mármore, que
ali se acha até hoje, com a seguinte inscrição: “Sob muito alta proteção de S.
M. I. O Senhor D. Pedro II e na augusta presença do mesmo Senhor e de S. M. a
Imperatriz – a Cia. União e Industria começou a construir esta estrada – No dia
12 de abril de 1856.”
Dois anos depois, em 20 de março de 1858, o
Imperador voltou a presidir, nova inauguração desta feita do primeiro trecho
concluído da estrada. Informação da época esclarece: “A 1ª seção da estrada
começou no alto da serra da Vila Teresa e termina em Pedro do Rio, tendo a
extensão de cinco léguas, achando-se completamente acabada, com a única exceção
da ponte grande do piabanha, cujo pegões e cantaria alias se acham prontos
esperando-se da Inglaterra a parte de ferre e 160 palmos que ali se mandou
construir e em lugar da qual serve por ora uma ponte provisória”.
“A estrada é quase madacamisada acompanhando
sempre a margem do Piabanha: apenas em alguns pontos tem o declive máximo e 1
por 33: a sua largura é de 36 palmos até a ponte do retiro, e daí a Pedro do
Rio não excede de 32” .
“A 1ª seção da estrada conta 4 pontes, 3 de
ferro e 1 de madeira, todas porém sólidas e perfeitamente e construídas”.
“Somente a 10 e Abril próximo, fecha-se o
prazo marcado para a conclusão de todos estes trabalhos; os esforços, porém da
diligente Diretoria da Companhia composta dos srs. Comendador Ferreira Lage,
presidente e dr. Coelho de Castro, secretario e a eficaz coadjuvação do sr.
Mello Franco permitiram que desde já pudesse ser franqueada ao publico a 1ª
seção”.
“As diligências para passageiros e carros de
transporte de cargas começam hoje a trabalhar regularmente. Por enquanto,
acham-se apenas em serviço duas diligências, uma para dezesseis e outra para
oito pessoas; em breve, porém deve chegar outras duas da Inglaterra”.
“A Cia. União e Indústria acertou de regular o
seu serviço pondo-se de acordo com o da Estrada de Ferri Mauá, e encarregando à
sua diretoria, a direção geral dos transpores da Prainha à Raiz da Serra, de
modo que quem sair da Côrte às 6 horas da manhã achar-se-á ao meio dia em Pedro
do Rio, e às 6 horas da tarde em Paraíba do Sul”.
“Muito, portanto, ganham com a 1ª seção desta
estrada as comunicações de alguns pontos do interior com a capital; mas isto
nada é a vista dos resultados que nos promete a continuação da estrada.”
“Vão continuar os trabalhos da 2ª seção de
Pedro do Rio ao Paraíba, em uma extensão de 7 léguas. Do Paraíba ao Paraibuna
deve estender-se por 5 léguas a estrada, que também está sendo executada. Do
Paraibuna a Juiz de Fora a Cia. Tem já pronta 7 léguas de estrada, que se ligam
às 16, que vão de Juiz de Fora a Barbacena. Espera-se que dentro de trinta
meses se achem concluídos os trabalhos fruindo as Províncias do Rio de Janeiro
e Minas Gerais os belos e preciosos frutos que lhes promete uma excelente
estrada de rodagem de 40 léguas, tendo por extremos, de um lado Barbacena e, de
outro Petrópolis’.
“Se então (e breve chegará à época desejada) a
Cia. União e Indústria colher os resultados que espera, e que devem coroar os
seus esforços, suas asas abrirão para maior vôo, e se for devidamente
auxiliada, licito é supor que esta linha de comunicação tão importante, se
prolongue até a Barra do Rio das Velhas, onde começa a franca navegação do Rio
S. Francisco e vá assim ligar-se à estrada de ferro do Juazeiro, na Bahia, com
imensa utilidade de não poucas Províncias do Brasil.”
Aí está, delineado, todo o grandioso propósito
da Cia. União e Indústria. Infelizmente, nem tudo se realizou. Mas o que se
concretizou, vale pela afirmação da fibra dos brasileiros de então.
Note-se que tudo era fruto da iniciativa
privada. Não da estatização dos nossos dias.
Num sistema econômico diferente,
paradoxalmente na época da colônia, indivíduos como Garcia Rodrigues Paes e
Bernardo Soares Proença abalançam-se a abrir “caminhos” por sua conta e risco.
Antes, as “bandeiras” e “entradas”, eram financiadas por um Fernando Dias Paes,
e um Borba Gato, ou um Raposo Tavares. Mais tarde no 2º Império, Mauá lança-se
cometimentos gigantescos, como a implantação de estradas de ferros, bancos,
estaleiros e ate financia parte da nossa guerra com o Paraguai. Enquanto isso,
Mariano Procópio Ferreira Lage e seus sócios, inclusive o interessado Irineu
Evangelista de Souza – o Barão de Mauá – e seus empreendimentos, rasgam a União
e Industria, uma estrada de penetração, do hiterland brasileiro que nada ficava
a dever, na época às melhores rodovias da Europa e dos nascentes Estados
Unidos.
O importante é que tudo foi feito com o
esforço tipicamente brasileiro, com técnicos tupiniquins (muitos formados na
Europa, é certo), braço escravo, mas em muitos casos com na região de
Petrópolis, com assalariados germânicos.
O capital inicial da Cia. União e Indústria
era de 5 mil contos e a empresa tinha o objetivo de ser uma prolongamento das
comunicações dos empreendimentos do Barão de Mauá; a linha de navegação a vapor
da Corte ao porto de Mauá à Raiz da Serra e a estrada de rodagem da serra até a
Vila Teresa.
O capital seria remunerado, com a renda de 5
por cento sobre as cargas transportadas garantida por lei provincial, mais
tarde aumentada de 2 por cento por lei imperial.
Mas a construção da estrada de ferro D. Pedro
II veio a ameaçar a vida da Cia. União e Indústria.
Ao termino das obras de construção da rodovia,
a Cia. defrontava-se com dificuldades financeiras, dadas às grandes despesas
realizadas. Felizmente, para a empresa as obras de construção da estrada de
ferro demoraram e a União e Indústria pôde respirar.
A verdade porém é que ariano Procópio, o
grande responsável pela União e Indústria, tal como Mauá estava arruinado
quando faleceu em 14 de fevereiro de 1872.
Seus bens foram à praça e sua viúva fez enorme
esforço para preservar a chácara onde morava em Juiz de Fora.
Mais tarde, seu filho doou a propriedade à
Prefeitura local onde hoje está o Museu Mariano Procópio.
Feito o parênteses, vamos voltar ao
desenvolvimento da implantação que da União e Indústria, não sem antes
registrar que a estrada resistiu ao passar dos anos e à evolução da técnica de
construção rodoviária.
Só na década de 1940, foi ela pavimentada com
asfalto.
Mas, as obras de arte, no seu conjunto aí
estão até hoje, evidentemente com os reparos necessários para se antepor às
injurias do tempo. As grossas muralhas laterais parecem indestrutíveis. E
quando se abre novos traçados paralelos, estes esboroam-se em diversos trechos
e a velha União e Indústria volta a servir aos usuários, na sua plenitude.
Em 28 de abril de 18560, conclui-se a segunda
seção de Pedro do Rio à Posse, pela serra do Taquaril. Os festejos do termino
da União e Indústria ocorreram no dia 23 de junho de 1861: a estrada chegara a
Juiz de Fora. Esta, a data que comemoramos.
Na madrugada freia daquele dia, em Petrópolis,
começaram os preparativos. As 3 e meia as ruas calmas do burgo foram atingidas
pelo som de trombetas tocadas por empregados da Cia. Que procuravam acordar os
convidados hospedados em hotéis do centro da cidade. A partida da comitiva
imperial estava marcada para as cinco horas. Cinco diligencias, ornamentadas
embandeiradas, puxadas por quatro mulas reluzentes, postavam-se defronte ao
Palácio, aguardando os convivas. Cada uma comportava 14 ou 16 pessoas.
Condutores e cocheiros estavam uniformizados com sobrecasaca azul, botas e
bonés amarelos, com galões de ouro.
Na hora fixada, a Família Imperial tomou sua
caleça particular e o cortejo pôs-se em marcha veloz, rumo a Minas Gerais.
A primeira arada para troca de animais foi em
Corrêas, 45 minutos depois da Partida.
Uma hora e meia depois da saída, a comitiva
chegou ao final da 1ª seção, em Pedro do Ro; quarenta minutos depois, na Posse,
onde se encontravam os armazéns para a guarda do café, produzido em S. José do Rio Preto e
redondezas. Depois foram à estação da Julioca e Campo da Grama: mais tarde,
todos desceram na grande ponte sobre o Rio Paraíba, para admirar a excelente
obra de engenharia erguida no local. A chegada a Entre Rios deu-se 15 minutos
após e ali foi servido um grande almoço. Hora e meia a grande ponte sobre o Rio
Paraibuna, na divisa com Minas. Ali estava afixada uma placa de mármore com a
frase que D. Pedro II pronunciara em 1856, classificando a obra de
“patriótica”.
Nova partida e paradas em Rancharia e Mathias
Barbosa.
Diga-se que, em todas essas localidades houve
festas, quando da passagem da comitiva imperial, estando às estações de mudas
ornamentadas, acolhendo grande patê da entusiasmada população local.
Em Juiz de Fora, foi apoteose.
A viagem do Imperador desenrolou-se por 144 quilômetros .
Demorara mais de 12 horas. A viagem
comum levava 10 horas.
Estava inaugurada a parte final da grande via
de penetração, que tantos benefícios iria carrear para o progresso do Brasil.
Claudionor de Souza Adão.
(Palestra proferida no
Conselho Municipal de Cultura)
Referências:
- Centenário de Petrópolis –
Trabalhos da Comissão
Vol V - 235
Vol II - 191
Vol IV - 253
- Centenário da Inauguração da
Estrada União e Industria - José Kopke Froés
Jornal de Petrópolis, 23/06/1961
* Esse artigo foi retirado da Tribuna de Petrópolis, 14 de Julho de 1984.
Desenho de uma Diligência usada no percurso Petrópolis - Juiz de Fora, pela Estrada União e Indústria
Ponte de Entre-Rios, atual Três-Rios, da Estrada União e Indústria. Foto de R. H. Klumb, 1872
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