domingo, 23 de junho de 2013

A UNIÃO E INDÚSTRIA - CLAUDIONOR DE SOUZA ADÃO

A União e Indústria
Seus 123 anos – obra prima e magnífica – iniciativa privada

 A Serra do Mar sempre foi um obstáculo quase intransponível à ocupação do interior do Brasil. Parte do Maciço Atlântico com seus granitos, gnaisses e denominações locais, estende-se paralelamente à costa desde o Rio Paraíba do Sul até Santa Catarina, com uma altura média de mil metros.
 A primeira subida ao planalto interiorano foi por S. Vicente, premido o ocupante daquele litoral de areias e alagadiços pela escassez de terras para lavoura.
 E as perspectivas se abriram para as entradas, bandeiras e monções.
 Depois, a descoberta das Minas Gerais atraiu levas e levas de exploradores que partindo do Rio de Janeiro, procuravam contornar a muralha pétrea de montanha e a selva ínvia que a recobria, buscando pelo mar o caminho até Parati, daí rumando, já em S.Paulo para Taubaté e Pindamonhangaba para alcançar o vale do Paraíba e, seguida a correntes do rio, chegar a Entre Rio (... Três Rios) na foz do Paraibuna, que os levava finalmente a Minas.
 A realização é que a abertura de novos caminhos para zona de lavras não era incentivada pela Metrópole, com o fito de dificultar o contrabando. Por outro lado, a exploração da cana-de-açúcar concentrou as energias do homem fluminense nos primeiros duzentos anos da economia da colônia e, ademais, centenas de quilômetros de mata virgem em escarpas se interpunham entre a Baixada e o Altiplano.
 Mas, chegou-se a um ponto em que a necessidade de melhores comunicações se fez imperiosa e guarda-mor, Garcia Rodrigues Paes tomou a iniciativa de abrir um “Caminho Novo” das Minas para o Rio. Em 1701, lança-se a empreitada, que lhe tomou quatro anos, a fortuna e ficou incompleta.
 Outros retomaram a obra e uma ramificação foi concluída por Bernardo Soares Proença, passando de Paraíba do Sul, por onde se entrosava o “Caminho Novo”, por Cebolas, Fagundes, Sumidouro, Corrêas, Samambaia, Itamarati, Quissamã, descia pela vertente hoje conhecida como Serra Velha, alcançava Raiz da Serra, Fazenda da Mandioca, Inhomirim e Porto da Estrela. 
 Houve outros  “Caminhos Novos”, como informam às vezes contraditoriamente o Padre André João (Cultura e Opulência do Brasil – 1711) Antonil, Diogo de Vasconcellos – (História Antiga das Minas Gerais) e Capistrano de Abreu (Caminhos Antigos e povoamento do Brasil), mas o que nos interessa é o fato, digamos assim, do “Caminho Novíssimo”, de Proença , ter sido a origem de Petrópolis, melhorado por Koeler, na serra, ocasião em que o major conheceu a Fazenda Córrego Seco, por elas se interessou e Petrópolis nela foi implantada, pela ação direta dele, do Mordomo Imperial Paulo Barbosa e do dono das terras, o Imperador Pedro II.
 E foi de Petrópolis que partiu para o interior a primeira estrada de rodagem digno desse nome: a União e Indústria.
 O Brasil era ainda um imenso arquipélago. As comunicações como o interior precaríssimas. Por isso a União e Industria foi um marco decisivo no nosso desenvolvimento.
 Iniciativa empresarial, com aspectos modernos, foi impulsionada pela Cia. União e Indústria, tendo a frente Mariano Procópio Ferreira Lage.
 No dia 12 de abril de 1856, o Imperador e a Imperatriz, presidiram o ato inaugural dos trabalhos da abertura da nova estrada em pavilhão armado na hoje Rua Tiradentes (antiga Maria II), na presença do Presidente da Província, de outras autoridades e de “uma multidão de homens e senhoras elegantemente vestidas”, como registram as crônicas da época.
 O Imperador foi saudado por Mariano Procópio, que assinalando a importância do acontecimento, disse que “uma nova era, vai começar para este País”, ao que D. Pedro II respondeu frisando: “Uma empresa cujo fim é a construção de uma estrada que ligue duas Províncias tão importantes, e que continuando talvez para o futuro, até as margens do segundo rio do Brasil, reunirá os interesses de seis Províncias, de certo merece ser chamada de patriótica”.
 Na ocasião, foi inaugurada, no principio do Quarteirão Westphalia (hoje Av. Barão do Rio Branco) uma placa de mármore, que ali se acha até hoje, com a seguinte inscrição: “Sob muito alta proteção de S. M. I. O Senhor D. Pedro II e na augusta presença do mesmo Senhor e de S. M. a Imperatriz – a Cia. União e Industria começou a construir esta estrada – No dia 12 de abril de 1856.”
 Dois anos depois, em 20 de março de 1858, o Imperador voltou a presidir, nova inauguração desta feita do primeiro trecho concluído da estrada. Informação da época esclarece: “A 1ª seção da estrada começou no alto da serra da Vila Teresa e termina em Pedro do Rio, tendo a extensão de cinco léguas, achando-se completamente acabada, com a única exceção da ponte grande do piabanha, cujo pegões e cantaria alias se acham prontos esperando-se da Inglaterra a parte de ferre e 160 palmos que ali se mandou construir e em lugar da qual serve por ora uma ponte provisória”.
 “A estrada é quase madacamisada acompanhando sempre a margem do Piabanha: apenas em alguns pontos tem o declive máximo e 1 por 33: a sua largura é de 36 palmos até a ponte do retiro, e daí a Pedro do Rio não excede de 32”.
 “A 1ª seção da estrada conta 4 pontes, 3 de ferro e 1 de madeira, todas porém sólidas e perfeitamente e construídas”.
 “Somente a 10 e Abril próximo, fecha-se o prazo marcado para a conclusão de todos estes trabalhos; os esforços, porém da diligente Diretoria da Companhia composta dos srs. Comendador Ferreira Lage, presidente e dr. Coelho de Castro, secretario e a eficaz coadjuvação do sr. Mello Franco permitiram que desde já pudesse ser franqueada ao publico a 1ª seção”.
 “As diligências para passageiros e carros de transporte de cargas começam hoje a trabalhar regularmente. Por enquanto, acham-se apenas em serviço duas diligências, uma para dezesseis e outra para oito pessoas; em breve, porém deve chegar outras duas da Inglaterra”.
 “A Cia. União e Indústria acertou de regular o seu serviço pondo-se de acordo com o da Estrada de Ferri Mauá, e encarregando à sua diretoria, a direção geral dos transpores da Prainha à Raiz da Serra, de modo que quem sair da Côrte às 6 horas da manhã achar-se-á ao meio dia em Pedro do Rio, e às 6 horas da tarde em Paraíba do Sul”.
 “Muito, portanto, ganham com a 1ª seção desta estrada as comunicações de alguns pontos do interior com a capital; mas isto nada é a vista dos resultados que nos promete a continuação da estrada.”
 “Vão continuar os trabalhos da 2ª seção de Pedro do Rio ao Paraíba, em uma extensão de 7 léguas. Do Paraíba ao Paraibuna deve estender-se por 5 léguas a estrada, que também está sendo executada. Do Paraibuna a Juiz de Fora a Cia. Tem já pronta 7 léguas de estrada, que se ligam às 16, que vão de Juiz de Fora a Barbacena. Espera-se que dentro de trinta meses se achem concluídos os trabalhos fruindo as Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais os belos e preciosos frutos que lhes promete uma excelente estrada de rodagem de 40 léguas, tendo por extremos, de um lado Barbacena e, de outro Petrópolis’.
 “Se então (e breve chegará à época desejada) a Cia. União e Indústria colher os resultados que espera, e que devem coroar os seus esforços, suas asas abrirão para maior vôo, e se for devidamente auxiliada, licito é supor que esta linha de comunicação tão importante, se prolongue até a Barra do Rio das Velhas, onde começa a franca navegação do Rio S. Francisco e vá assim ligar-se à estrada de ferro do Juazeiro, na Bahia, com imensa utilidade de não poucas Províncias do Brasil.”
 Aí está, delineado, todo o grandioso propósito da Cia. União e Indústria. Infelizmente, nem tudo se realizou. Mas o que se concretizou, vale pela afirmação da fibra dos brasileiros de então.
 Note-se que tudo era fruto da iniciativa privada. Não da estatização dos nossos dias.
 Num sistema econômico diferente, paradoxalmente na época da colônia, indivíduos como Garcia Rodrigues Paes e Bernardo Soares Proença abalançam-se a abrir “caminhos” por sua conta e risco. Antes, as “bandeiras” e “entradas”, eram financiadas por um Fernando Dias Paes, e um Borba Gato, ou um Raposo Tavares. Mais tarde no 2º Império, Mauá lança-se cometimentos gigantescos, como a implantação de estradas de ferros, bancos, estaleiros e ate financia parte da nossa guerra com o Paraguai. Enquanto isso, Mariano Procópio Ferreira Lage e seus sócios, inclusive o interessado Irineu Evangelista de Souza – o Barão de Mauá – e seus empreendimentos, rasgam a União e Industria, uma estrada de penetração, do hiterland brasileiro que nada ficava a dever, na época às melhores rodovias da Europa e dos nascentes Estados Unidos.
 O importante é que tudo foi feito com o esforço tipicamente brasileiro, com técnicos tupiniquins (muitos formados na Europa, é certo), braço escravo, mas em muitos casos com na região de Petrópolis, com assalariados germânicos.
 O capital inicial da Cia. União e Indústria era de 5 mil contos e a empresa tinha o objetivo de ser uma prolongamento das comunicações dos empreendimentos do Barão de Mauá; a linha de navegação a vapor da Corte ao porto de Mauá à Raiz da Serra e a estrada de rodagem da serra até a Vila Teresa.
 O capital seria remunerado, com a renda de 5 por cento sobre as cargas transportadas garantida por lei provincial, mais tarde aumentada de 2 por cento por lei imperial.
 Mas a construção da estrada de ferro D. Pedro II veio a ameaçar a vida da Cia. União e Indústria.
 Ao termino das obras de construção da rodovia, a Cia. defrontava-se com dificuldades financeiras, dadas às grandes despesas realizadas. Felizmente, para a empresa as obras de construção da estrada de ferro demoraram e a União e Indústria pôde respirar.
 A verdade porém é que ariano Procópio, o grande responsável pela União e Indústria, tal como Mauá estava arruinado quando faleceu em 14 de fevereiro de 1872.
 Seus bens foram à praça e sua viúva fez enorme esforço para preservar a chácara onde morava em Juiz de Fora.
 Mais tarde, seu filho doou a propriedade à Prefeitura local onde hoje está o Museu Mariano Procópio.
 Feito o parênteses, vamos voltar ao desenvolvimento da implantação que da União e Indústria, não sem antes registrar que a estrada resistiu ao passar dos anos e à evolução da técnica de construção rodoviária.
 Só na década de 1940, foi ela pavimentada com asfalto.
 Mas, as obras de arte, no seu conjunto aí estão até hoje, evidentemente com os reparos necessários para se antepor às injurias do tempo. As grossas muralhas laterais parecem indestrutíveis. E quando se abre novos traçados paralelos, estes esboroam-se em diversos trechos e a velha União e Indústria volta a servir aos usuários, na sua plenitude.
 Em 28 de abril de 18560, conclui-se a segunda seção de Pedro do Rio à Posse, pela serra do Taquaril. Os festejos do termino da União e Indústria ocorreram no dia 23 de junho de 1861: a estrada chegara a Juiz de Fora. Esta, a data que comemoramos.
 Na madrugada freia daquele dia, em Petrópolis, começaram os preparativos. As 3 e meia as ruas calmas do burgo foram atingidas pelo som de trombetas tocadas por empregados da Cia. Que procuravam acordar os convidados hospedados em hotéis do centro da cidade. A partida da comitiva imperial estava marcada para as cinco horas. Cinco diligencias, ornamentadas embandeiradas, puxadas por quatro mulas reluzentes, postavam-se defronte ao Palácio, aguardando os convivas. Cada uma comportava 14 ou 16 pessoas. Condutores e cocheiros estavam uniformizados com sobrecasaca azul, botas e bonés amarelos, com galões de ouro.
 Na hora fixada, a Família Imperial tomou sua caleça particular e o cortejo pôs-se em marcha veloz, rumo a Minas Gerais.
 A primeira arada para troca de animais foi em Corrêas, 45 minutos depois da Partida.
 Uma hora e meia depois da saída, a comitiva chegou ao final da 1ª seção, em Pedro do Ro; quarenta minutos depois, na Posse, onde se encontravam os armazéns para a guarda do café, produzido em S. José do Rio Preto e redondezas. Depois foram à estação da Julioca e Campo da Grama: mais tarde, todos desceram na grande ponte sobre o Rio Paraíba, para admirar a excelente obra de engenharia erguida no local. A chegada a Entre Rios deu-se 15 minutos após e ali foi servido um grande almoço. Hora e meia a grande ponte sobre o Rio Paraibuna, na divisa com Minas. Ali estava afixada uma placa de mármore com a frase que D. Pedro II pronunciara em 1856, classificando a obra de “patriótica”.
 Nova partida e paradas em Rancharia e Mathias Barbosa.
 Diga-se que, em todas essas localidades houve festas, quando da passagem da comitiva imperial, estando às estações de mudas ornamentadas, acolhendo grande patê da entusiasmada população local.
 Em Juiz de Fora, foi apoteose.
 A viagem do Imperador desenrolou-se por 144 quilômetros. Demorara  mais de 12 horas. A viagem comum levava 10 horas.
 Estava inaugurada a parte final da grande via de penetração, que tantos benefícios iria carrear para o progresso do Brasil.

Claudionor de Souza Adão.
(Palestra proferida no Conselho Municipal de Cultura)


Referências:

- Centenário de Petrópolis – Trabalhos da Comissão
   Vol V - 235
   Vol II - 191
   Vol IV - 253
- Centenário da Inauguração da Estrada União e Industria - José Kopke Froés

   Jornal de Petrópolis, 23/06/1961

* Esse artigo foi retirado da Tribuna de Petrópolis, 14 de Julho de 1984.


Desenho de uma Diligência usada no percurso Petrópolis - Juiz de Fora, pela Estrada União e Indústria

Ponte de Entre-Rios, atual Três-Rios, da Estrada União e Indústria. Foto de R. H. Klumb, 1872

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