quinta-feira, 16 de maio de 2013

TRÊS FASES DE PETRÓPOLIS: EM 1844, 1851 E 1858.


DEPOIMENTO DO DR. ROBERTO AVE-ALLEMANT*

Em Janeiro de 1858, fiz meus pequenos preparativos de viagem, indo em fevereiro a Petrópolis para agradecer a Sua Majestade e despedir-me.
Muito me emocionou Petrópolis, visitada agora pela terceira vez.
Em outro tempo, fora o nome de Petrópolis muitas vezes mencionado na imprensa alemã e tantas vezes explicada em livros de viagem que não me deteria um momento a considerá-lo, se não tivesse visto o desenvolvimento do lugar em diferentes fases.
Creio que foi em 1844 que, alta noite, recebi uma carta urgente chamando-me imediatamente a Mandioca, a fim de ver ali, o irmão do meu amigo Major Júlio Frederico Koeler (tão prematura e desgraçadamente falecido), o qual recebera forte contusão na mão. A ida ali era, aliás uma viagem, mas o chamado era urgente; e sabendo-me solicito  a todos os apelos, meu amigo e por terra e tudo prepara para esse fim.
O original empreendimento emocionou meu irmã, então Pastor da comunidade alemã e sucessor do inditoso L. Neumann, e meu erudito, espirituoso e jovial amigo Professor Barão Tautphoeus. Pela 10 horas da noite, saímos baía afora numa grande falua, um barco de dois mastros com uma meia coberta, onde se arrumara uma cama muito cômoda. A lua subia e trazia-nos uma bela noite de viagem. Dormindo, seguimos pelo pequeno Rio Inhomirim acima até o lugarejo Vila da Estrela, onde às 5 horas da manhã chegamos e despertamos. Aí aguardavam-nos cavalos de sela; em mau caminho viajamos umas três léguas e paramos em frente da cada da Mandioca, da propriedade que foi de Langsdorff.
Era felizmente insignificante o auxilio médico e tomou pouco tempo. Mas demorou o almoço pois os alemães – e éramos quase todos alemães – gostam de comer e ainda mais de beber muito.
Durante o almoço o incansável Major Koeler falou na fundação de uma Colônia alemã no alto, no centro da serra, que ficava acima de nossas cabeças e de um novo caminho para lá, que devia ser fácil e seguro para a passagem de carros.
Naturalmente isso tinha de ser visto com os próprios olhos, levantamo-nos todos imediatamente  depois do almoço e acompanhamos o nosso engenheiro floresta a dentro.
Realmente majestosa era a floresta e horrível o caminho. A picada aberta toscamente; milhares de arvores abatidas. Alguns blocos de pedras rolados outros rebentados com pólvora. Terra escavada acumulara-se de novo e em alguns lugares cavados tinham-se aberto grandes frestas; o conjunto oferecia um quadro destruição; parecia que um tremor de terra abalava a montanha. E isso deve tornar-se uma estrada carroçável. Eu abanava a cabeça. Duvidava que encontrássemos um único ponto com um bom trecho de caminho pronto.
Lá no alto encontramos a antiga estrada empedrada, celebre pela viagem de Spix e Martius. Do pico descortinava-se uma vista grandiosa, porém não bastante livre para um largo panorama. Aqui devia funda-ser a colônia alemã e formar-se um vila de 2.000 habitantes.
Nessa solidão, no meio da floresta, em plena serra, isso é fácil de dizer, mas não é fácil de crer.
Muito nos divertiu o otimismo de Koeler, o bom Major Koeler, que via a coisa como um fait accompli; e com o magnífico tempo da tarde descemos de regresso a Mandioca, onde dana Maria do Carmo, à espera do nosso Major, mandara preparar para nós um saboroso jantar de caça.
Depois de um dia a todos os respeitos tão agradável, era natural que os três eruditos alemães se levantassem mais tarde. Pelas 10 horas da manhã, estávamos na falua e descemos o Inhomirim. Mas ao chegarmos à embocadura sobreveio uma tempestade que prendeu no “hotel” grande número de barqueiros. No quarto de hóspedes de uma casa bem arranjada.
Depois de bordejar desagradavelmente na baia, e não sem perigo por trás da Ilha do Governador, chegamos ao Rio ao amanhecer.
Sete anos mais tarde em dezembro de 1851, sofri uma mortal insolação. O meu espirituoso e vantajosamente conhecido Dr. Sigraud, que me tratou juntamente com as sumidades médicas Drs. Persiani, Paula Cândido e Tomás Gomes dos Santos, mandou-me para Petrópolis afim de que me restabelecesse mais rapidamente.
Em vez de falua, um barco a vapor me conduziu através da baía até o Porto da Estrela. Entre os companheiros de viagem contavam-se senhoras e crianças. Na ponte de desembarque estacionavam vários cocheiros alemães com carros puxados por quatro cavalos e à margem do rio brasileiro havia uma pequena algazarra germânica.
Embora o caminho da planície deixasse muito a desejar, nele se podia viajar comodamente. No pé da serra havia cavalos de muda. Com grande surpresa vi uma boa estrada de rodagem verdadeira obra-prima no gênero, com audaciosas curvas, galgando a serra com a maior segurança, tão suavemente, que durante todo o caminho se podia trotar com bastante vivacidade.
E quando cheguei à ultima crista, a uma slatura de 2.500 pés, e o carro desceu lentamente para o antigo Córrego Seco num lugar encantador, com casas babitáveis e uma Praça do Imperador em construção, vários hotéis, duas igrejas, com 2.000 moradores – pensei, então com profunda melancolia, no Major Engenheiro Julio Frederico Koeler.
Com profunda melancolia – digo eu. Muito honradamente cumprira ela a palavra, muito conscienciosamente desempenhara sua difícil tarefa. Mas já não estava no número dos vivos. Num domingo de manhã fazia exercício de pistola com amigos e, num momento infeliz, parou diante do alvo quando atirava o seu melhor amigo. A bala atingiu na axila e poucas horas depois morria ele com varonil serenidade.
O Major Julio Frederico Koeler, foi um dos poucos oficiais alemães que em longo tempo de serviço em terra brasileira sempre cumpriu o seu dever. Todos podem tomá-lo por modelo. Era homem de sólidos conhecimentos e de variada educação, fiel aos seus amigos em todas as ocasiões. Hospitaleiro, as suas casas em Itamarati e Petrópolis estavam sempre abertas. Contava por isso muitos amigos e muitíssimo papa-jantares e entre os ultimo muitos inimigos, porque o invejavam. Com sua morte emudeceram todos, enquanto seus amigos o lamentavam com verdadeiro pesar e o recordam com respeito.
Que todos os transeuntes da Estrada da Serra e visitantes da Colônia de Petrópolis tenham para o falecido um pensamento de estima e amor, pois percorrem e visitam o monumento de Koeler.
Quando outra vez fui a Petrópolis em fevereiro de 1858, sete anos depois, tinha já o lugar relações inteiramente diversas com o Rio e com o interior e tomara proporções muito diferentes.
No desembarcadouro da Prainha, na Cidade do Rio, construiu-se um grande alpendre para embarque de passageiros e bagagens. Um veloz barco a vapor recebeu os passageiros e a carga e atravessou a baía mais rapidamente do que antes acontecia. Aportou no lugar, ao nordeste do Inhomirim. Ali já está pronto o trem; sobe-se e depois de um viagem de 20 a 23 minutos chega-se à estação ao pé da serra.
Imediatamente, a estrada de ferro se liga a estrada de rodagem por meio de carros e animais de sela. A longa fila de carros subiu a serra e em Petrópolis dispersou-se para diferentes hotéis e casas particulares.
Como se tornara aprazível esta Petrópolis que era outrora a mata solitária do Córrego Seco! Num país como o Brasil, cujo desenvolvimento se opera em bela escala, porém sem a rapidez do americano, difícil é compreender tal metamorfose.
O número de habitantes de Petrópolis pode ser comportado hoje em 7.00. são cerca de 2.700 alemães, e 3.000 portugueses; os restantes franceses e ingleses, etc.
Por isso Petrópolis teve de sacrificar bastante o seu antigo tipo germânico. Aliás pode dizer-se malogrado o seu destino como colônia agrícola lucrativa. O solo é estéril, limitado, escarpado; a vegetação antes botanicamente atraente e soberba que agricolamente lucrativa. Cuida-se mais da indústria. Desenvolveram-se várias pequenas artes, oficinas e empresas. Por uma razão muito simples, é muito vantajosa a proximidade com a Capital do país.
Petrópolis fica na serra a mais de 2.000 pés de altura, e goza de todas as vantagens de salubridade de um clima de montanha. Ainda que o clima seja um tanto caprichoso e inconstante, e caiam chuvas freqüentes em todas as estações, o ar no alto da serra é deliciosamente puro e revigorante e água potável maravilhosa.
Ambas essas bênçãos do céu no meio de uma grandiosa natureza serrana deram a Colônia a sua peculiar importância.
Sobem para Petrópolis e lá convalescem todos os que no Rio, estão doentes, fracos, debilitados pelo clima ardente, ameaçados pela febre amarela, fatigados pelas preocupações. Ela é o Weltvreden, o Buittenzorg do Rio de Janeiro e o seu meio humano, o seu local de vilegiatura, o seu balneário, os seus estabelecimentos hidroterápicos, não sofrem ainda o metódico charlatanismo dos balneários europeus e queira Deus que nunca o sofram!
Diversos hotéis ornam a cidade. Muitos Colonos alugam partes de suas casas ás aves de arribação do Rio. Aliás grande numero de casas magníficas é de propriedade de distintas famílias do Rio de Janeiro.
Entre estas, ocupa o primeiro lugar o Palácio Imperial, que não é propriamente um palácio, mas um castelo muito limpo e aprazível habitado pela Família Imperial nos meses quentes de dezembro a abril.
Acompanha a Família Imperial uma multidão de pessoas de alta categoria, diplomatas, etc. e ás vezes é muito difícil achar em Petrópolis um quarto, um abrigo. Além disso, na cidadezinha a vida é cara; em certas épocas alguns viveres tem de ser pagãos a peso de ouro; e freqüentemente ocorre que gêneros vindos do campo para a cidade, como ovos, por exemplo, são trazidos pelos que visitam a colônia do Rio de Janeiro para Petrópolis.
Nessa época é Petrópolis maravilhosamente linda, foi quando lá me achei , em fevereiro de 1858.
Subira numa tarde de sábado e tive forçosamente, de hospedar-me em casa do cunhado do meu irmão, um bem educado funcionário brasileiro, cuja esposa, de descendência anglo-americana, não ficava a dever, em cultura, a nenhuma dama parisiense e, em economia doméstica, a nenhuma senhora alemã.
Que agradável domingo vivi eu! A serra estava fresca e fria. O orvalho cintilava nos montes e vales e escorria de todas as folhas. Nos bairros da Colônia, de nomes genuinamente alemães, Palatinado, Vestifália, etc., ao longo do rio pulsava vida alemã e louras cabecinhas alemães corriam para cá e para lá onde quer que, em meu passeio matinal, dirigisse os meus passos.
Fomos depois á igreja protestante. A pequena e acanhada casa de orações estava cheia de gente que, com o acompanhamento de um pequeno órgão, cantava tão devotamente o seu: “Liebster Jesu, wir sind hier, etc.”, que certamente a todos o Senhor terá ouvido e atendido. Em seguida pregou o meu velho e fiel amigo Jakob Daniel Hoffmann, jovialmente, sobre o Bom Pastor; jovial parecia o sol do Evangelho nos corações dos homens e o sol do céu penetrava pelas janelas e por alguns buracos do teto.
Depois do sermão, perto da casa de Deus, um vai e vem puramente alemão me alegrou a alma. Revê-se exatamente, nos diversos grupos, o Palatinado do Reno: os mesmos longos sobretudos, os mesmos cachimbos curtos dos homens, os mesmos vestidos sem talhe e porte das camponesas, as mesmas engraçadas figuras de crianças de olhos azuis abertos, com sardas e nariz sujo.
Sua Majestade o Imperador, recebeu-me com sua bem conhecida benevolência e dele me despedi para seguir viagem.
Devo fazer aqui uma observação sobre a maneira como o Imperador atende, ouve e considera os desejos, pedidos e petições que sem trabalho e sem dificuldade lhes são levados quer em São Cristóvão, quer em Petrópolis!
O Imperador pertence a todos e por isso todos pertencem ao Imperador! A afirmação é verdadeira e ele bem pode ser aquele conde, cantado pelo poeta sábio, que podia consoladamente repousar a cabeça para dormir no seio de cada súdito e a quem, entusiasmados e comovidos exclamaram os outros príncipes:


“Graf im Bart, Ihr seid der Reichste,
Euer Land Traegt Edelstein!”
("Conte a barba, você é a pessoa mais rica
O seu país tem uma jóia!)


Fomos à tarde a Praça de Koblenz.
É uma praça grande limpa, sombreada por grandes árvores da floresta. Quando os primeiros colonos começaram a derrubar a mata foi aqui celebrado o primeiro serviço religioso católico e protestante e meu irmão, então pregador da comunidade do Rio, celebrou o primeiro casamento ao ar livre. Uma grande cruz branca assinala o lugar onde os imigrantes, que pobres como Jacó, haviam chegados a este lugar estrangeiro, primeiro tinham olhado para o Senhor.
Quando o Imperador está em Petrópolis, a Banda Musical de Musica Imperial toca na praça. Ali se vêem lindos grupos. A alta sociedade,  perfumados cavalheiros de “lorgnette” e amazonas de cinta de vespa passeiam a cavalo. Na relva brinca os pequenos. Mocinhas louras, seis a oito braços, braços dados passeiam elegantemente e cochicham segredos, alegrias e dores da semana passada: assim parece pelo menos, porque quando a gente se aproxima, elas se calam para não serem executadas.
Maravilhosamente soam os acordes da música ao ar livre! Fiquei surpreendido, alegre e entusiasmado com tudo o que via e ouvia. Ninguém mais do que eu o sentia; pois no meio do povo alegre morigerado, da praça asseada e da harmoniosa musica, pensava no Córrego Seco que há catorze anos e na então solitária floresta. Operara uma mudança mágica.
Segunda-Feira de manhã, muito cedo, teríamos de separar-nos da aprazível cidadezinha serrana e de seus amáveis habitantes.
Quando chegamos á garganta, ao portão de pedra ao passo da serra, estava a região abaixo de nós iluminada pelo sol da manhã com toda a pompa, toda a majestade. Em baixo os contrafortes da serra, a planície até a baía , a própria baía, as montanhas do Rio distante e, afinal, ainda o distante oceano; tudo deveria ser visto em sua imensurável extensão. Em nenhuma outra parte do Rio existe mais sublime quadro da natureza.
Com o fresco ar matinal rolavam os carros rapidamente, serra abaixo, para regiões mais quentes e, poucas horas depois, estávamos nos vagões da estrada de ferro, rumo ao Rio.


(VIAGEM PELO SUL DO BRASIL NO ANO DE 1858, por Roberto Ave-Lallemant, 1º volume, páginas 74 a 81, edição do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1953, Tradução de Teodoro Cabral)

*Robert Christian Ave- Lallemant - (Lübeck, 25 de julho de 1812 — Lübeck, 10 de outubro de 1884) foi um médico e explorador alemão
Filho dos professores de música Jacob Heinrich Avé-Lallemant e Friederike Marie Canier. Irmão do criminalista Friedrich Christian Avé-Lallemant e do crítico musical Theodor Avé-Lallemant.
Assim como seu irmão frequentou em sua cidade natal o Katharineum, tendo ao mesmo tempo educação musical com seu pai. Iniciou o curso de medicina em Berlim, mudando em seguida para Heidelberg. Após um semestre de estudos em Paris, completou seus estudos e em seguida fez doutorado em Kiel.
Em 1836 estabeleceu-se no Brasil, como médico no Rio de Janeiro. Alguns anos depois foi diretor de um sanatório para doentes de febre amarela. Foi então convocado para trabalhar no conselho de saúde do império.
Em 1841 casou no Rio de Janeiro com Meta, filha de Moses Löwe, com quem teve três filhos. Como sua mulher não suportava bem o clima brasileiro, a família retornou em 1855 para Lübeck, falecendo sua mulher no mesmo ano. Após o ano obrigatório de luto, Avé-Lallemant casou em 11 de abril de 1856 com Ida Louise Löwe, irmã de sua falecida mulher, com quem teve 2 filhos.
Em Lübeck teve contato com Alexander von Humboldt, que o convidou para participar da expedição Novara para o Brasil. Avé-Lallemant abandonou a expedição no Rio de Janeiro, iniciando então a viajar sozinho pelo Brasil. Estas expedições foram apoiadas pessoalmente por D. Pedro II.
Em 1858-1859 Avé-Lallemant retornou novamente para Lübeck, abrindo um consultório em 1859. Em 1869 foi convidado, novamente sob incentivo de Humboldt, para a cerimônia de inauguração do Canal de Suez. Em 1871 faleceu sua segunda mulher, com 54 anos de idade, tendo ele casado um ano depois com Adamine Ulrike von Rosen.
Avé-Lallemant não é conhecido somente por suas viagens exploratórias pelo Brasil, mas também por ter influenciado o sistema de saúde brasileiro.


Bibliografia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Christian_Av%C3%A9-Lallemant


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