Obs: O texto foi transcrito respeitando a ortografia e a linguagem da época em que foi escrito, no século XIX.
Fontes consultadas:
Arquivo Histórico de Petrópolis - Biblioteca Municipal Central Gabriela Mistral
Imagem:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aureliano_de_Sousa_e_Oliveira_Coutinho acesso em 27/12/2014 às 14:00
RELATÓRIO DO
PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO AURELIANO DE SOUZA E OLIVEIRA
COUTINHO
(1º de maio de 1846)
Vendo eu porem por um lado, que as
empresas para colônias agrícolas ou se offerecião desvantajosamente, ou tinhão
mao êxito; considerando por outro, que o augmento da população livre exige a
introducção de casaes,e não somente de homens solteiros: vendo que a província
despende grandes sommas nas suas obras em hornaes á braços escravos, que convém
antes não desviar da lavoura; considerando mais que alguns casaes de colonos
empregados na importante obra da serra normal da Estrella podião melhor
aclimatar-se ali, informando o núcleo de uma colônia na povoação denominada
Petropolis, onde S. M. o Imperador, ordenando se aforassem terras a
particulares, mandou edificar um palácio para sua residência de recreio, e de
saúde no tempo de verão; contractei-me com a casa de Mr. Carlos Delrue,
negociante de Dunquerk e ali vice-consul do Brasil (o qual havia feito
proposições ao governo) a introducção de 600 casaes de colonos allemães
trabalhadores, e officiaes dos officios de que mais se podia precisar, debaixo
das condições explicitas, e restrictas, que se achão no contracto datado de 17
de Junho de 1844 pagando-se a 245 francos pelos adultos e metade pelos de 5 ate
15, e nada pelos menores de 5 annos.
Esta casa, tendo a principio encontrado
difficuldades no engajamento de taes colonos com as restrições do contracto,
julgou dever dar conta da sua commisão, e fazer um serviço ao paiz, e a si,
sahindo um pouco fora das condições do mesmo contracto: assim He que por casaes
entendeu famílias mais numerosas, em algumas das quaes não só comprehendeu os
filhos, como também os pais de taes casaes, e alguns (mui poucos) maiores de 60
annos, quando o contracto estabelecia o Maximo de 40; dando por fundamento, ou
escusa, que esses casaes, aliás vigorosos, e cheios de filhos uteis ao paiz,
não querião vir sem serem acompanhados de seus pais. Igualmente fez a remessa
quasi a um tempo, quando o contracto estabelecia prasos, para que podesse e
governo ir com pausa acommodando os colonos. Resultou d’ahi achar-se o mesmo
governo a principio algum tanto embaraçado com um numero maior de colono do que
encommendára, se bem que todos muito morigerados, robustos, e industriosos,
sendo o numero da gente moça entre 5 e 18 annos de ambos os sexos de 1200
individuos, e elevando-se a 2303 o total dos colonos importados em diferentes
navios. S.M. o imperador, sempre sollicito pela prosperidade, e engrandecimento
do seu império, logo que chegou de Dunquerk o primeiro navio “Virgine” trazendo
a seu bordo 160 desses colonos, não só autorisou o seu mordomo a offerecer ao
governo da província as suas terras de Petropolis para n’ellas se estabelecerem
logo os mesmos colonos, visto que erão destinados aos trabalhos da serra da
Estrella, como mesmo se dignou ir vel-os no arsenal da marinha quando indo de
Nictheroy partirão para Petropolis, e lhes assegurou a sua proteção por meio de
allocuções, que lhes mandou fazer,e de donativos pecuniários. Forão seguindo
para o mesmo destino os mais que vinhão chegando, e á excepção de alguns casaes
composto de 106 individuos que pedirão ao mesmo augusto senhor ir antes para a
colocação de S. Leopoldo, onde tem parentes, e de outros que encontrarão logo
empregos na corte, e arsenaes., achão-se todos os mais reunidos em Petropolis,
onde munificência imperial, e as obras tanto da província, como da casa de S.
M. Imperador, e dos particulares, que ali estão edificando, lhes garantem os
primeiros soccorros, e meios de subsistência, emquanto os nãos adquirem pela
sua industria, e lavoura, que começão a desenvolver com maravilhosa actividade.
Acha-se pois, sob os auspícios, e
proteção de S. M. o Imperador, fundasda em Petrópolis uma colônia, que promete
prosperar, e ser de muita vantagem á capital do impérionão só pelo lado da
horticultura, e plantio de fructas, e cereaes, e creação de aves, com que pode
abastecer o grande mercado de côrtes que lhe fica tão próximo, mas também por
meio das artes mechanicas, de que pela abundancia de madeiras se podem ali
estabelecer officinas, como ferrarias, marcenarias, tanoerias, etc; sendo
igualmente um viveiro onde os particulares podem contractar officiaes de
officios, creados, e operários industriosos. A colônia está assentada tanto no
centro da povoação de um, e outro lado das ruas (as quaes tem de largura, uns
100 palmos, sem rio, e outras 150 palnos com os rios encanados no centro, sendo
este encanamento de 20 palmos de largura, que permittirá navegação por todo o
povoado) porém também, e muito principalmente se estende pelos suberbios da
referida povoação de um, e outro lado de 3 principaes rios, e seus confluentes,
que correndo placidamente banhão as terras da fazenda imperal do Corrego Secco,
e da denominada “Quitandinha”, offerecida para esse fim a S. M. o Imperador
pelo Major Julio Frederico Koeller, que na distribuição das terras, collocação
dos colonos, construcção de suas casas, e todos os mais arranjos necessários,
desenvolveu uma actividade, e zelo dignos de elogios.
Foi em 29 de Junho do anno findo, dia de
S. Pedro, padroeiro da futura parochia petropolitana, que ali chegarão os
primeiros collonos allemães. Então, excepto os terrenos collateraes á estrada,
esses mesmos somente em parte, descortinados, era Petrópolis uma mata virgem:
hoje, que mudança extraordinária! Ruas, e praças traçadas no seu centro, e já
em parte edificadas; os rios tortuosos correm encanados pelo meio das tres ruas
principaes; descobrirão-se 24 rios maiores, e menores no interior, todos
affluentes do Piabanha; ás margens d’elles, de um, e de outro lado abrirão-se
ruas próprias a transitar seges logo que estejão aperfeiçoadas; deixando-se
todo o arvoredo natural, que borda esses rios, o que os torna uma extensa
alamenda tortuosa muito pitoresca, alem de útil; aos lados d’essas ruas estão
edificadas as casas, e marcarão-se prasos de 50 braças de frente aos colonos,
que se querem dedicar mais á agricultura, como tudo se mostrará melhor da carta
junta a este relatório, que mandei levantar lithographar para dar uma ideia
mais exacta d’esta colônia, na persuasão em que estou, de que para animar a
emigração livre, e industriosa, primeira necessidade do paiz, faço com isso
mais serviço, do que aquelles que alterando a verdade dos factos buscão por mil
modos desconceitul-a. S. M. o Imperador deu um fortíssimo impulso ao
desenvolvimento desta colônia, e povoação de Petropolis, não só mandando
distribuir terras, sementes, e animais pelos colonos, como ordenando ali a
construcção de um engenho de serrar em ponto grande, movido por agua, obra
muito proveitosa, que faculta a todos os moradores, e empreendedores de prédios
poderem serrar taboados, e madeiras por preços muito baixos, facilitando assim
as consrucções em um lugar, que pela salubridade proverbial dos ares e aguas
tem de chamar a si muito brevemente casas de saúde, collegios de educação,
casas de recreio, etc; o que tudo deve muito concorrer para a prosperidade da
colônia. Divide-se ella em 12 quarteirões, que tomara o nome dos lugares, d’onde
são oriundos os colonos que o habitão. O total da colônia, e povoação de
Petrópolis , entre nacionais, e estrangeiros, sobe já a 2101 individuos, a
saber, 1921 alemães, 83 brazileiros, 61 portuguezes, 15 francezes, 7 inglezes,
5 hespanhoes, 4 dinarmarquezes, 3 hollandezes, 1 suisso, 1 italiano. Dos
alemães são colonos obrigados á província 1818.
Existem 410 famílias, 112 individuos
solteiros; 1116 do sexo masculino, 941 do feminino; 1390 catholicos, 711
evangélicos, 289 meninas até 10 annos de idade, 200 raparigas de 10 até 18
annos; 452 mulheres casadas, e solteiras d’esta idade para cima; 31 viuvos, ou
viúvas com filhos; 8 viuvos ou viúvas sem filhos.
Tem-se disribuido em Petropolis 616
prasos, dos quaes 466 tocão a colonos. Os prasos são de 4ᵃ classe; os de 1ᵃ tem
ordinariamente 10 braças de frente e 70 de fundo, occupão a frente das ruas, e
praças da futura villa Imperial em roda do palácio do Imperador; d’esta classe
de prasos há 216 dos quaes 92 estao dados, e 124 por dar, existindo 106 requerimentos
de pessoas que os pedem; estes prasos tem naturalmente de ser ocupados por
negociantes, artistas, e pessoas da corte, que quiserem passar o verão no clima
temperado da serra. Os de 2ᵃ classe occupão os terrenos do surburbio chamado
villa Thereza mais próximo ao alto da serra, tem 15 braças de frente e 100 ou
mais de fundo, e devem ter mesma aplicação que os antecendentes são 26 e não
estão ainda distribuídos. Os de 3ª. Occupão as beiras da estrada geral não
compreendida pelos anteriores; tem 15 braças de frente com 70, ou 100 de fundo;
são destinados a artistas, que não se ocuparem muito da lavoura, o seu número
he de 169, já estão dadas 131. Os de 4ª. Occupão os terrenos do interior, tem
50 braças de frente. S. M. o Imperador mandando distribuil-os com um fôro muito
módico, isentou os colonos d’esse mesmo fôro por espaço de 8 annos. Além do
numero declarado de prasos há ainda uma superfície de 2.644.000 braças da
imperial fazenda do Corrego Secco para subdividir em prasos; outra de 2.340.000
braças da fazenda denominada “Quitandinha”; e 2.250.000 braças da sesmaria
vizinha denominada Velasco, que pertencendo aos domininos nacionais podem ter o
útil destino de serem distribuídas a colonos, que prefazem o numero de
7.236.000 braças, podem colocar-se 1.400 familias, ou 4.000 almas; e que he
ardente voto de todos os colonos de Petropolis, que o governo provincial
faculte a seus parentes, e amigos, que ficarão na Allemanha, o virem reunir-se
a eles, para o que estão prontos a dar uma lista nominal de taes pessoas, e a
lhes apromptar as casas para os receberem, se o governo os mandar vir a
expensas suas. Emquanto porem a colônia não estiver mais enraizada julgo
conveniente animar por ora somente a emigração para que ella prospere.
As terras, se não boas para café e
milho, são execellentes para uma infinidade de produtos, cuja cultura convêm
promover em ponto grande, como sejão o centeio, o feno, a alfalfa, e sobretudo
o chá da Índia, que se dá maravilhosamente em taes terrenos, além dos muitos
cereaes e fructas européas, e do fabrico de queijos, e manteiga, que tem de
achar grande, e prompto mercado na capital do império, tão próxima da colônia,
que d’ella se pode vir, e voltar no mesmo dia, logo que as barcas de vapor
naveguem com regularidade, e a todas as horas do dia para o porto da Estrella.
Já hoje sahindo-se da corte ao meio-dia, ás 6 horas da tarde se está muito
comodamente emPetropolis; pois que a viagem por mar em vapor he de 2 e meia
horas, e d’aquelle porto á colônia, não hvendo 4 léguas, gastão-se 3 e meia, e
menos ainda.
Todos os que tem visitado a colônia
reconhecem a imensa superiodade do trabalho d’estes homens sobre o dos
escravos, especialmente adoptado e ethodo que se seguido de os fazer trabalhar
por empresas, ou ajustes. O beneficio he notório, o operário fica livre de
trabalhar nas suas obras prticulares, e nas da província como, e quando queira,
e de levar ou não a sua família a coadjuval-o. A obra não carece de apontador,
nem de mandante. O engenheiro directto para esclarecer, e comprovar este facto
informa, que as cavas (por exemplo) em meio morro com transportes até 70
passos, e as escavações em planície com altura de 10 palmos, erão avaliadas por
todos os engenheiros da província, e comtempladas nos contractos á razão de 10$
a braça cúbica. Os colonos as fazem a 4$, e ganhão de 1$400 a 2$000 por dia
para si, emquanto o escravo só ganha 600 ou 800 rs. para seu senhor. A vinda
dos colonos (informa o mesmo director) traz grandes melhoramentos também no
artigo “ferramentas”; a enchada portugueza, o machado e a pá pequena, bem como
os instrumentos próprios da carpinteria taes quaes se usão entre nós. Não fazem
no mesmo espaço de tempo, nem tanto, nem tão bom serviço, como os de que usão
os colonos. Procura-se em Petropolis fabricar d’estas ferramentas, e introduzir
o seu uso.
Em Novembro do anno passado fui visitar
esta colônia em companhia do mordomo da casa imperial, que no cumprimento das
ordens de S. M. o Imperador relativas á povoação de Petropolis, e ao auxilio, e
protecção aos colonos, tem mostrado um zelo incansável. A presença de dous
delegados do soberano, que ião ver esse nascente estabelecimento, e provar a
suas mais urgentes necessidades, enthusiasmou os colonos, que por mil
innocentes, e variados modos mostrarão seu contentamento entoando hymnos em
louvor, e agradecimento ao Imperador do Brasil, que tão benignamente os
acolhia. Então todas essas laboriosas, e morigeradas famílias pedirão-me como
primeiro beneficio ser considerados cidadãos brasileiros, ter escolas para
educação de seus filhos, e parochos, ou pastores de suas religiões. Quanto á
primeira cousa tenho exposto ao governo imperial a conveniência de se pedir á
assembleia geral legislativa uma medida, que declare cidadãos brasileiros todos
os colonos, que se estabelecerem em terras distribuídas pelo governo, ou que a
expensas d’este forem chamados ao império para o povoarem, e exercerem
indústrias; medida tanto mais necessária para facilitar a emigração, quanto um
dos primeiros artigos da lei, que permite, e regula a emigração na Allemanha,
determina que nenhum allemão poderá licitamente emigrar para um estado qualquer
sem que n’elle seja reconhecido cidadão. Quanto à segunda, e terceira dependem
ellas de vossa coadjuvação; e são todas uteís e necessárias, que eu não duvido
acreditar, autirusarieis o governo tanto para estabelecer na colônia as escolas
primárias de ambos os sexos que forem precisas, como para mandar contractar
dous pastores um catholico, e outro evangélico, pagando-lhe as passagens, e
garantindo-lhes um ordenado razoável. Esta providencia adoptada de acordo com o
governo do estado da Allemanha, onde taes pastores forem contractados, atrahirá
por si só á colônia de Petropolis uma emigração espontânea, sobretudo
sabendo-se n’esse estado que aos emigrantes se distribuirão terras. Á vista de
estatística da população da colônia, da muita mocidade que nella existe, e vem
vindo pela natural fecundidade das mulheres alemães, e attentas as distancias,
em que ficão os differentes quarteirões, é fácil calcular, que são
indispensáveis quatro mestres de meninos, e 4 mestras de meninas na nascente
villa, ou cidade Petropolitana, que se vai levantando tão rapidamente, e como
por encanto; e talvez convenha mandal-os também contractar na mesma ocasião, e
no mesmo estado, em que forem os pastores religiosos.
Grande parte dos colonos de Petrópolis
são súbditos do Grão-Ducado de Hesse, um dos mais civilizados, ricos e povoados
da Allemanha, e que tendo precisão de promover, e regularisar a emigração, é
também interessado em enviar para esta colônia indivíduos próprios a exercer as
sagradas funcções de curas, e de mestres.
No intuito de estabelecer entre os
colonos o espírito de ordem, economia, e socorro reciproco, e bem assim para
aliviar os cofres públicos de maiores despesas, adoptei o projecto de uma caixa
comum para a qual concorrem espontaneamente todos os colonos, e habitantes de
Petrópolis, afim de se socorrerem mutuamente, fundarem seus templos, uma casa
de caridade, &c, projecto que lhes foi apresentado pelo director da colônia
o major J. F. Koeler, que os colonos abraçarão com enthusiasmo, e que mandei
por em execução com as alterações, que entendi dever fazer-lhes para estabelecer
maiores garantias aos contribuintes na gerencia, e administração por elles
mesmos de seus fundos, com a suprema inspecção do governo.
Para essa caixa deve igualmente
concorrer o governo com alguma somma anual, ao menos emquanto não forem fundados
esses estabelecimentos de primeira necessidade. He pois mister que autoriseis o
mesmo governo para continuar a fazer com esta colônia aquellas despesas, que
forem indispensáveis para a sua manutenção, por conta do credito concedido pela
lei de 10 de maio de 1840, que tendo sido aberto somente por espaço de 5 annos,
convem que seja para esse fim prorrogado. Persuadido da importância d’este
assumpto, para a futura prosperidade, e grandeza do império, não duvido
acreditar que prestareis ao governo da província toda a vossa eficaz, e valiosa
cooperação no empenho de chamar ao paiz por todos os modos possíveis a maior
emigração livre, e industriosa. Um paiz imenso, e tão rico em productos, não
tem que receiar a sua dívida, se chamar a si o mais rapidamente possível braços,
que em breve a pagarão, augmentando as riquezas particular, e pública.
Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho
1º de maio de 1846
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