Prof. Lourenço Luiz Lacombe, I.H.P.
Petrópolis é uma consequência do Caminho Novo
em 1725, por Bernardo Soares Proença.
Às margens desse
caminho distribui o rei de Portugal várias sesmarias, sendo a principal delas,
concedida ao próprio Proença pelo seu trabalho na abertura da estrada.
Com o correr do
tempo, e em virtudes de sucessões e vendas, veio a propriedade transformar-se
em três fazendas distintas: Itamarati, Córrego Seco e Quitandinha.
No início do sec.
XIX aparecem as terras do Córrego Seco como propriedade de Manoel Viera Afonso,
que detinha ao que parece, por usucapião.
Sua viúva,
Cesariana Josefa de Jesus, falece em 1825 e as terras da fazenda são descritas
em seu inventário como “frias e inferiores nem servem para cultivar” [...] “e
não davam mantimentos por serem chegas à serra”.
Tem a “casa
dividida, coberta de telhas muito antiga” [...] “muito arruinada com os esteios
baldrames tudo cortado.”
Não convida dividir
uma propriedade em tão precárias condições, entre os 9 herdeiros, o oferece-se
o testamenteiro Serginho J.V.A., filho primogênito da testadora e ficou com a
fazenda, responde e ficou demais herdeiros a quantia de duzentos mil réis,
valor da avaliação então feita, importância logo aceita.
Pelo que parece,
aí não morou José Veira Afonso, pois era proprietário de terras nas vizinhanças
e Córrego Seco não deixou ser feita nenhuma melhoria, até ser vendida ao
Imperador.
D. Pedro I passou
a frequentar a fazenda do Padre Correia desde quando sua filha a Princesa d.
Paula, tornou-se hóspede do sacerdote por indicação médica que lhe prescreveu
mudanças de ares.
A presença de D.
Paula na fazenda é documentada por vários viajantes que por ali passaram e alí
se hospedaram durante o 1º Reinado.
Até 1826 ia ao
Imperador em companhia de D. Leopoldina visitar a filhinha enferma.
De 1829 em diante,
com a nova Imperatriz, a bela D. Amélia de Beauharnais a qual pareceu ser
bastante penoso a proprietária D. Arcângela Joaquina da Silva, irmã e herdeira
do Pe. Correia, as periódicas estadas da Família Imperial na Fazenda. Dessas
visitas de D. Pedro I ficou o nome de Poço do Imperador, atribuído a uma bacia
natural do Rio Morto.
Pretendeu então D.
Amélia comprar a fazenda que o Pe. Correia tornara célebre, proposta pela nova
proprietária que alegou motivos de família por não aceitar ao imperial desejo.
Mas provavelmente por indicação da própria D. Arcângela foi indicada a fazenda
vizinha do Córrego Seco.
Os entendimentos com
o Major Viera Afonso chegaram a bom termo em 6 de fevereiro de 1830 comprava D.
Pedro I o Córrego Seco por vinte contos de réis, preço cem vezes maior do que
custava ao Serginho, por 5 anos antes do inventário materno!
Denominou o
Imperador as terras adquiridas de Fazenda da Concórdia, nome também atribuído
ao palácio que ali pretendia erguer, chegando a encomendar o plano e a
realização orçamento. Mas os acontecimentos políticos se complicaram – e
Concórdia tão almejada, ficou apenas num sonho que se esvaiu, e o Imperador se
vê compelido a abdicar no ano seguinte.
A fazenda – que
voltou inexplicavelmente, a chamar-se de Córrego Seco – passou a ser administrada através dos procuradores
de d. Pedro I pelo sistema de arrendamento.
Em 1834 morreu em
Portugal o ex-Imperador e no seu inventário, doa o Córrego Seco a d. Pedro II.
Mas a fazenda estava “lançada” aos credores para que o jovem imperador pudesse
receber a herança, foi necessário a abertura de crédito pela Assembleia Geral,
no valor de 14 contos de réis (como se desvalorizam as terras...) para
levantamento da hipoteca.
Não houve porém,
interrupção no processo de exploração das terras, continuando o Córrego Seco a
pressão de arrendatário a arrendatário.
Mas o mordomo da
Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva, que servia a d. Pedro II sempre sonhara
em realizar o plano do antigo Imperador, erguer no Córrego Seco, um palácio de
Verão. Mas como fazê-lo, numa fazenda desabitada, improdutiva e de difícil acesso?
Foi quando
terminou o prazo de um desses contratos de arrendamento, apresentou-se como candidato
o nosso arrendamento o jovem Major de Engenheiros, Júlio Frederico Koeler, que
pretendia estabelecer na propriedade imperial uma colônia agrícola de alemães.
Ora, o projeto do
Major Koeler vinha dar ao de Paulo Barbosa, os meios de concretizá-lo. Assim
entrosados os dois planos são apresentados ao Imperador que os aprova de
maneira mais solene havendo Decreto Imperial, nº 155 de 16 de Março de 1843,
que dizia:
“Tendo approvado o
plano que me apresentou Paulo Barbosa da Silva, do Meu Conselho, Official Mór,
e Mordomo de Minha Imperial Casa, de arrendar a Minha Fazenda denominada
“Corrego Seco” ao Major de Engenheiros Koeler; pela quantia de um conto de réis
annual, reservando um terreno sufficiente para nelle se edificar um Palacio
para Mim, com suas dependencias e jardins, outro para uma povoação, que deverá
ser afórado a particulares, e assim como cem braças dum e outro lado da estrada
geral, que corta aquella Fazenda, o qual deverá tambem ser afórado a
particulares, em datas ou prazos de cinco braças indivisiveis, pelo preço
porque se convencionarem, nunca menos de mil réis por braça :
Hei por bem authorisar o sobredito Mordomo a dar execução ao dito plano sob
estas condições. E outrosim o Authorizo a fazer demarcar um terreno para nelle
se edificar uma Igreja com a invocação de S. Pedro de Alcantara, a qual terá
uma superficie equivalente a quarenta braças quadradas, no logar que mais
convier aos visinhos e foreiros, do qual terreno lhes faço doação para este fim
e para o cemiterio da futura povoação. Ordeno portanto ao sobredito Mordomo que
proceda aos ajustes e escripturas necessarias, n’esta conformidade, com as
devidas cautelas e circumstancias de localidades, e outrosim que forneça a
minhas espenças os vazos sagrados, e ornamentos para a sobredicta Igreja, logo
que esteja em termos de n’ella se poder celebrar. Paço da Boa Vista deseseis de
Março de 1843, vigesimo segundo da Independencia e do Imperio. Dom Pedro II.
Paulo Barbosa da Silva. Conforme, Augusto Candido Xavier de Brito.”
O Decreto não fala
de Petrópolis, somente em Córrego Seco. Donde, então surgiu o nome? Paulo
Barbosa e notas escritas para o livro de Ribergrolles atribui a si a autoria: “Lembrando-se de
Petersburgo, cidade de Pedro recorrido ao Grego e achei uma cidade com este
nome no arquipélago, e sendo o Imperador d. Pedro, julguei que lhe caberia bem
este nome.”
Mas o plano de Koeler
era instalar na fazenda imperial uma colônia agrícola de alemães. Já possuía ele
experiência no assunto: em 1837, arribara ao Rio de Janeiro uma navio
transportando imigrantes germânicos para a Austrália e que os maus tratos
recebidos e o péssimo passadio, provocaram mil revoltas a bordo, obrigando o
capitão a desviar-se para a baía de Guanabara. Recusando-se a prosseguir a
viagem, foram entregues a Koeler, que estava então, encarregado dos trabalhos
da estrada, ligando o Porto da Estrela à Paraíba do Sul, passando por Córrego
Seco. Levou Koeler esses seus patrícios a trabalhar nas obras de que estava
incumbido; e tão bem sucedida foi essa experiência que mudou a mentalidade dos
nossos governantes, partidários até então do trabalho escravo.
Assim, iniciou o
Presidente da Província Fluminense, entendimentos com firmas europeias
especializadas no intuito de contratar colonos alemães para as obras públicas
províncias.
São pois, duas
iniciativas paralelas de Koeler! Para colonização de Petrópolis e da Província para
as obras públicas. Mas enquanto aquele pretendia gente especializada para sua colônia
agrícola, buscava a Presidência Fluminense, operários de um modo geral que contrata,
por intermédio de Jênio Pizani, representante de Charles Delrue de Dunquerque,
600 colonos, responsabilizando-se ainda a Província pelas passagens das
mulheres e dos filhos menores.
Na tradução do
contrato para o alemão foram substituídas palavras mulheres e filhos por
família – e, tomada a expressão no seu sentido mais amplo trazendo cada casal,
como sua família, parentes em vários graus...
O 1º navio do
contrato Virginie, chega ao Rio a 13 de junho de 1845. Façamos um parênteses para
imaginar qual teria sido a impressão desses imigrantes: depois de mais um mês de
incômoda viagem – cujo passado deixou muito a desejar – atingiram o Rio de
Janeiro ao entardecer diante dessa baía imensa ainda cercada de espessa mata,
no dia de Santo Antônio, festejado pelos portugueses com fogueiras e foguetórios,
fechamos o parênteses.
O navio Justine
trazia carga de 13 famílias, mas num total de 170 pessoas, entre velhos e
crianças, que não eram certamente, indicados paras as obras públicas provinciais.
E nos dias
subsequentes outros navios com idêntica espécie de passageiros... Não estava a
província preparada para abrigar toda essa gente. Aquela então para o mordomo o
qual por ordem do Imperador, manda que sejam entregues a Koeler. Sobem então a
serra e chegam ao antigo Córrego Seco no dia 29 de junho de 1845 que ficou
sendo considerado como dia da Colonização de Petrópolis.
Distribui Koeler
os colonos pelos prazos assinalados na planta de povoação por ele elaborada, a
qual se verifica é anterior à criação do povoado, e sendo assim pode Petrópolis
reivindicar o título de 1ª cidade planejada do Brasil. Em torno do núcleo central,
nessa planta denominada Vila Imperial, projetou Koeler os vários quarteirões designados
com os nomes dos locais de onde procediam os colonos, abrasileirados alguns, no
original a maioria Bingen, Mosela, Ingelheim, Siméria, Westfália, Castelânea,
Palatinado, Renânia, Worns, Nassau, Darmstadt, Woerstadt.
Estabelecidos nos
seus prazos adquiridos pelo sistema de enfiteuse, tinham os colonos como seu
primeiro serviço a construção do Palácio do Imperador, iniciados os trabalhos
pelo preparo do terreno, o que já vinha sendo feito desde de janeiro de 1845,
por africanos livres.
A pedra fundamental
foi lançada na presença do Imperador a 18 de julho de 1845, o qual determinou
fosse o palácio localizado junto à confluência das ruas do Imperador e da
Imperatriz.
As obras seguiram o
plano original de Koeler, modificado quanto à frontaria pelo artista italiano
Cristófono Bonimi. Grandes artistas se sucederam na administração e decoração
da obra: José Maria Jacinto Rebelo, Manoel de Araújo Porto Alegre, J. Cândido e
Vicente Marques Lisboa. A Koeler conta apenas a construção da ala direita inicialmente
de zinco, substituída mais tarde, e reformada pelos sucessores, depois da sua
trágica morte em 1847.
Foi ele enterrado
no primitivo cemitério da Colônia, localizado no Triângulo Serrano, onde hoje
se encontra a Igreja do Sagrado Coração de Jesus e o Convento dos Franciscanos.
Com a inauguração do novo cemitério foram seus restos mortais, transferidos
para esse campo santo, enterrados ao lado da Capela, onde permaneceram por
longos anos, até que, em 1955 foram transladados para a base da estátua erguida
em sua homenagem, obra do escultor Antônio Leraldes.
Jornal: Tribuna de
Petrópolis, 25 de junho de 1994.