Segue abaixo a carta enviada
pelos colonos ao imperador d. Pedro II, quando aportaram no Brasil os colonos
do navio “Marie” em agosto de 1845. Suplicando ajuda de Sua Majestade, devido
aos transtornos sofridos ao longo de 74 dias de viagem da Europa ao Brasil.
“Ao louvadíssimo Governo
Imperial da Provincia do Rio de Janeiro:
Os obdedientíssimos, abaixo assinados, pobres
imigrantes alemães, que arriscaram e deram o grave passo de deixar sua pátria,
para estabelecer no Brasil e entregar-se à proteção do poderossíssimo Imperador
dom Pedro II e respectivamente do seu fiel e louvabilíssimo Governo Provincial,
permitem-se humildemente, aconselhados pelo Capitão de seu navio, o sr.
Chastell, apresentar respeitosamente a seguinte queixa:
Como é sabido, o Governo Imperial desta
Província contratou com a casa Charles Delrue & Companhia, de Dunquerque,
pagar-lhe, por cada pessoa de 15 a 40 anos 245 francos; de 5 a 15 anos 122 e
meio francos,e nada para as crianças menores de 5 anos; além dessas quantias, a
casa Delrue nada mais receberia; e nós deveremos reembolsar estas importâncias ao
Governo Provincial, com o suor do nosso rosto.
Delrue, porém, não satisfeito ainda com este
arranjo, e pondo nenhum limite-se à sua cobiça conseguir, também conosco uma
quantia, por cada pessoa de 15 a 40 anos 80 francos; de 5 a 15 anos 40 francos;
e pelas crianças menores de 5 anos 10 francos. E isso de maneira tão
escandalosa, que não podemos abster-nos de relatar essas extorsões, ao Governo
Imperial.
Em Colônia, onde os sequazes de Delrue estavam
agindo, extorquiram de nós as mencionadas quantias, a título de cauções,
mediantes recibos, com a promessa de que as mesmas importâncias nos seriam
restituídas pelo Governo Imperial, ou pelo menos haveríamos de ser indenizados,
por outra maneira.
Tal pagamento, apesar da resistência da
maioria dos imigrantes, de fato, teve que ser efetuado. Em Dunquerque, na casa
Delrue, de alguns que se encontravam inteiramente sem meios, com ameaças,
extorquiram documentos de confissões de dívidas, e a outros arrancaram os
recibos passados, a pretexto de anexá-los aos outros documentos, e assim
apresentá-los ao Governo Imperial Brasileiro. Todos nós duvidamos que isso
aconteça,e estamos firmemente persuadidos que a casa Delrue cometeu conosco uma
grande fraude.
E, ainda não contente com estas extorsões,
contratou a referida casa conosco, acerca das provisões que deveriam ser
fornecidas para a nossa viagem de Dunquerque ao Rio de Janeiro, obrigando-se a
prover e fazer entregar-nos a bordo, os seguintes mantimentos: boa carne de
vaca e de porco, boa bolacha, legumes secos, diariamente um quarto de medida de
cerveja, duas vezes por semana bebidas espirituosas,e nos domingos um quarto da
medida de vinho por pessoa; e para cada cama um bom colchão de palha e
travesseiro.
Mas, de tudo isso, nada foi fornecido na forma
estipulada. A casa Delrue, após obter astuciosamente os citados recibos,
mandou-nos levar para bordo e partir no navio “Marie”.
É compreensível que, no primeiro tempo, em que
reinava entre os imigrantes enjôo de mar, os comestíveis fossem distribuídos com
alguma escassez; esperávamos, porém, que no futuro nosso tratamento haveria de
melhorar, no que fomos cruelmente enganados.
Passada a doença estando com fome todos os imigrantes
não apareceram os mantimentos estipulados; em vez disso deu-se a cada um apenas
uma bolacha, diariamente, e até esta em putrefação e cheia de vermes, o que
faria adoecer os mais robusto.
De manhã, pelas 11 horas, distribui-se a cada
um, uma concha de sopa com caldo ralo por assim dizer que água pura, e da mesma
maneira à tarde, pelas 5 horas, uma dita concha com sopa de ervilhas ou feijão,
preparada de tal maneira, que para 7 ou 8 barris de água podre, calculou-se três
quartos a balde de feijão e ervilhas misturadas. De batatas, recebemos ao todo 4
ou 5 cestos, e entre elas estavam ao menos um terço em putrefação.
Em lugar de recebemos, diariamente, uma
regular porção de boa carne, forneceu-se por cabeça, num dia, um garfo de
cozinha com peixe podre e fétido, e no outro dia 60 ou 70 gramas de carne, por
pessoa.
Em vez de fornece-nos, diariamente um quarto
da medida de cerveja, deram-nos apenas duas vezes por semana, um quarto de
litro; e bebidos espirituosas não recebemos se não, nos 3 ou 4 últimos dias,
antes da chagada,a razão de um oitavo de litro.
O vinho prometido não chegamos a provar. Nem todas
as camas foram providas de travesseiros.
Dessa maneira, cerecemos quase de tudo, e
passamos amarga forme e sede, com que aflitos à noite nos deitávamos,e de manhã
nos levantávamos.
Nosso Capitão, várias vezes, interrogado a
respeito, assegurou-se não haver recebido mais mantimentos de Delrue, e que tínhamos
sido enganados por ele e seus sequazes, na maneira mais escandalosa.
Mais tarde, porém, houve um pequeno aumento de
bolacha de forma que se deu uma meia por cabeça, e nos últimos 6 dias duas, por
pessoa.
A maior parte dos imigrantes, que havia
trazido de casa pequena provisão de mantimentos, viu-se obrigada a consumi-la
ou partilhá-la com seus companheiros famintos, a fim de matar a roedora fome.
Chegados, finalmente, às praias do Brasil, sem
mantimentos e dinheiro, até destituídos de tudo, nós pobres imigrantes vemo-nos
obrigados a reconhecer, como é evidente, que fomos escandalosamente enganados
por Delrue.
Por isso, de joelhos, suplicamos, como súditos
fiéis, e obedientes, de agora em diante do nosso benigníssimo monarca e
soberano, respectivamente do seu fiel Governo Imperial da Província, que de
forma alguma reconhecerá e aprovará tal tratamento como justo e razoável em
seres humanos, que se digne conceder-nos a augusta graça e proteção, na defesa
dos nossos direitos, tomando benignamente as medidas convenientes, em vista das
violências e extorsões praticadas em nossas pessoas pelo referido Delrue, a fim
de que nos sejam restituídas as quantias, injustamente extorquidas, e sejamos
indenizados, a custas do mesmo Delrue, pelos sofrimentos que durante 73 dias
padecemos, nas ondas do mar.
Na almejada esperança que nossa humilde
súplica receba o beneplácito do nosso fiel Governo Imperial da Província,
permanecemos no mais profundo respeito e humildade, como muito submissos e
fiéis súbditos, servos do Governo Imperial da Província.
Redigido,
no porto do Rio de Janeiro, em 22 de Julho de 1845
Assinado
por:
Augusto Moebus
Jacoby
Lanius
Bauer
H. Auler.
Link
Bender
Jose Hehn
Paulo Hehn
G. Schaeffer
João Pedro Carl
F. G. Schaefer
Eduardo Moebus
Francisco José Sieben
A. Kremer
N. Flescher
Auler
J. Kremer
Carlos Dorr
Kremer
Thomas
Wagner
P. Hoffmann
Retz
Teodoro Eppinghaus
Vogt
Reitz
Neumann
Luebe
Hoffmann
Karl
Moebus
Wierchers
Becker
Hoelz
Schauss
Nienhauss
Nicodemus
Henrique
Plenz
Jorge Pal
Jacó Kaspar
Harrmann Schamenk
M. Dupont."
Referência bibliográfica:
CASADEI, Thalita de
Oliveira. Petrópolis – Relatos Históricos.
Ed. Grafica Jornal da Cidade, 1991
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