João
Duarte Silveira
Em outros tempos a folia principiava sempre
nas véspera.
Homens do povo, vestidos de roupa de brim
endurecida à custa de muita goma, vinham para a rua, munidos de lanternas pela
falta de iluminação, esperar o fim do ano velho e o principio do ano novo.
Pessoas de destaque social, trajando
sobrecasacas solenes, calças de brim branco e sapatos de polimento, fabricados
pelos sapateiros Miguel Kind, Nicolau Hees e Casqueiro, também apareciam e
ficavam a conversar nos bancos do Hotel Bragança, onde o Campos, o mais liberal
dos hoteleiros festejava também o acontecimento oferecendo refrescos e
guloseimas às visitas.
Em quase todas as casas térreas, velhas
gritadeiras conversavam à janela, contando cada qual a quantidade de doces de
laranja da terra que tinham feito e quantos leitões e perus tinham sacrificado.
- Um trabalhão, vizinha; há quinze dias que
não sei o que seja dormir sossegada!
- E eu então, D. Candinha.
Tive de fazer roupa nova para as crianças e umas roupas para seu Manoel, que
não se ajeita com os alfaites, principalmente com seu Loureiro, que leva seis
meses para acabar o feitio.
E esse tagarelar só acabava quando a negrinha
vinha avisar que o doce estava pegando no fundo do tacho.
As casas mais abastadas ficavam abarrotadas de
parentes e conhecidos chegados e amigos da cidade, e ao mesmo tempo pagar a
fineza da ida às fazendas em véspera de São João.
A noite realizava-se suculenta ceia, na qual o
leitão assado era a peça principal, apresentado em frigideira de barro, com os
dentes arreganhados e um ovo a sair do outro lado da cabeça, e rodelinhas de
limão enfeitando o todo o corpo.
Depois da ceia, principiavam as danças,
enquanto a dona da casa resignava com as mucamas para recompor de novo a mesa,
com os saborosos doces fabricados em casa.
Quando o sino da matriz colocado ainda ao lado
da igreja, pela falta da torre que o capitão Castro não havia ainda construído,
batia a ultima badalada da meia noite impulsionado pelo sacristão Fernandes,
rebentava a alegria por toda casa e até D. Gertrudes aparecia na sala, ainda de
avental para dar as – Boas Saídas e as Melhores Entradas – e abraçar pela
primeira vez naquele ano “seu” Felisberto extremoso companheiro de infortúnios
e alegrias de meio século.
O baile chegava ao auge quando os galos
principiavam a cantar.
“Seu” Bessa, o mestre sala dava o sinal para a
última quadrilha marcada que quase sempre acabava – no Caminho da Roça – que ai
até a esquina da rua e já com dia claro.
Pela manhã as bandas de músicas dos Gustavos e
do escrivão Schaefer saiam a tocar pelas ruas e paravam em frente as casas de
Ignácio Papae e, Augusto Rocha, Comendador Paulino Afonso, Major Emílio da
Veiga, Bartolomeu Sudré, professor Taborda de Bulhões, Coronel Baptista da
Silva, Major Kopke, Paixão, Queiroga, Cornélio dos Santos, Thomaz da
Porciúncula, Kallemback, Land, Carpenter, Calógeras, Rocha Código e muitos
outros que seria difícil enumerar. O Eleutério, um oficial de justiça
pernóstico, que nas horas vagas era cozinheiro afamada publicava no “Mercantil”:
“Hoje
dia de Anno Bom, às 8 horas da manhã haverá um inimitável e confortável angu em
casa do patusco Eleutério José Garcia. A rapaziada de Petrópolis não será surda
a tão amável convite”.
As autoridades recebiam presentes,
principalmente “seu” Vigário, o delegado de polícia e o fiscal da Câmara, “seu”
Janiques, velho político que tinha vindo de Mangé,
dizia ele. Pessoas respeitáveis e sobretudo respeitadas.
Os negociantes presenteavam fidalgamente os fregueses
salientado-se os de “Seccos e Molhados”
e os das Padarias, contando com a gratidão deles, e poderem assim reaver
durante o ano o dobro do que despendiam em um dia.
Sobressaiam nessa porfia de amabilidades, o
João Maduro, o Mesquita, o Azevedo e o Vitorino dos Chorões – dos Secos e
Molhados, e os padeiros Pedro Caheins, da rua do Imperador e o Venâncio, da rua
D. Januária.
O Vasconcellos da fábrica de charutos e
cigarros “Águia”, logo pela manhã oferecia a seu vizinho o tabelião João
Cordeiro de Carvalho os melhores charutos fabricados para esse fim.
Todos usavam nesse dia roupa e chapéus novos,
comprados no “Anjo da Meia Noite”, de João José Dias, e no armarinho do Ernesto
Olive.
E quem não arranjava roupa nova, não saia de
casa. Era vergonhoso. Os mais orgulhosos fingiam doença para não aparecer em
público com roupa de todo ano.
Era também comum nesses tempos presentear os
amigos e cada passo encontrar moleques carregando, ora um peru com lacinhos nas
asas ora um leitão com laço no pescoço. Eram presentes. E quem não tinha nada
para dar, dava “Boas Saídas e Boas Entradas”
BIbliografia:
Volume III dos Trabalhos da Comissão do Centenário, 1939.
Volume III dos Trabalhos da Comissão do Centenário, 1939.
Parabéns pelo Blog, Fred! Assinei para receber as notícias. Um forte abraço do Sérgio Taldo. :)
ResponderExcluirQue maravilha Frederico, divulguei. Parabéns. Lyscia
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