sexta-feira, 27 de setembro de 2024

FUNDAÇÃO DE PETRÓPOLIS

 Prof. Lourenço Luiz Lacombe, I.H.P.

 Petrópolis é uma consequência do Caminho Novo em 1725, por Bernardo Soares Proença.

Às margens desse caminho distribui o rei de Portugal várias sesmarias, sendo a principal delas, concedida ao próprio Proença pelo seu trabalho na abertura da estrada.

Com o correr do tempo, e em virtudes de sucessões e vendas, veio a propriedade transformar-se em três fazendas distintas: Itamarati, Córrego Seco e Quitandinha.

No início do sec. XIX aparecem as terras do Córrego Seco como propriedade de Manoel Viera Afonso, que detinha ao que parece, por usucapião.

Sua viúva, Cesariana Josefa de Jesus, falece em 1825 e as terras da fazenda são descritas em seu inventário como “frias e inferiores nem servem para cultivar” [...] “e não davam mantimentos por serem chegas à serra”.

Tem a “casa dividida, coberta de telhas muito antiga” [...] “muito arruinada com os esteios baldrames tudo cortado.”

Não convida dividir uma propriedade em tão precárias condições, entre os 9 herdeiros, o oferece-se o testamenteiro Serginho J.V.A., filho primogênito da testadora e ficou com a fazenda, responde e ficou demais herdeiros a quantia de duzentos mil réis, valor da avaliação então feita, importância logo aceita.

Pelo que parece, aí não morou José Veira Afonso, pois era proprietário de terras nas vizinhanças e Córrego Seco não deixou ser feita nenhuma melhoria, até ser vendida ao Imperador.

D. Pedro I passou a frequentar a fazenda do Padre Correia desde quando sua filha a Princesa d. Paula, tornou-se hóspede do sacerdote por indicação médica que lhe prescreveu mudanças de ares.

A presença de D. Paula na fazenda é documentada por vários viajantes que por ali passaram e alí se hospedaram durante o 1º Reinado.

Até 1826 ia ao Imperador em companhia de D. Leopoldina visitar a filhinha enferma.

De 1829 em diante, com a nova Imperatriz, a bela D. Amélia de Beauharnais a qual pareceu ser bastante penoso a proprietária D. Arcângela Joaquina da Silva, irmã e herdeira do Pe. Correia, as periódicas estadas da Família Imperial na Fazenda. Dessas visitas de D. Pedro I ficou o nome de Poço do Imperador, atribuído a uma bacia natural do Rio Morto.

Pretendeu então D. Amélia comprar a fazenda que o Pe. Correia tornara célebre, proposta pela nova proprietária que alegou motivos de família por não aceitar ao imperial desejo. Mas provavelmente por indicação da própria D. Arcângela foi indicada a fazenda vizinha do Córrego Seco.

Os entendimentos com o Major Viera Afonso chegaram a bom termo em 6 de fevereiro de 1830 comprava D. Pedro I o Córrego Seco por vinte contos de réis, preço cem vezes maior do que custava ao Serginho, por 5 anos antes do inventário materno!

Denominou o Imperador as terras adquiridas de Fazenda da Concórdia, nome também atribuído ao palácio que ali pretendia erguer, chegando a encomendar o plano e a realização orçamento. Mas os acontecimentos políticos se complicaram – e Concórdia tão almejada, ficou apenas num sonho que se esvaiu, e o Imperador se vê compelido a abdicar no ano seguinte.

A fazenda – que voltou inexplicavelmente, a chamar-se de Córrego Seco – passou  a ser administrada através dos procuradores de d. Pedro I pelo sistema de arrendamento.

Em 1834 morreu em Portugal o ex-Imperador e no seu inventário, doa o Córrego Seco a d. Pedro II. Mas a fazenda estava “lançada” aos credores para que o jovem imperador pudesse receber a herança, foi necessário a abertura de crédito pela Assembleia Geral, no valor de 14 contos de réis (como se desvalorizam as terras...) para levantamento da hipoteca.

Não houve porém, interrupção no processo de exploração das terras, continuando o Córrego Seco a pressão de arrendatário a arrendatário.

Mas o mordomo da Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva, que servia a d. Pedro II sempre sonhara em realizar o plano do antigo Imperador, erguer no Córrego Seco, um palácio de Verão. Mas como fazê-lo, numa fazenda desabitada, improdutiva e de difícil acesso?

Foi quando terminou o prazo de um desses contratos de arrendamento, apresentou-se como candidato o nosso arrendamento o jovem Major de Engenheiros, Júlio Frederico Koeler, que pretendia estabelecer na propriedade imperial uma colônia agrícola de alemães.

Ora, o projeto do Major Koeler vinha dar ao de Paulo Barbosa, os meios de concretizá-lo. Assim entrosados os dois planos são apresentados ao Imperador que os aprova de maneira mais solene havendo Decreto Imperial, nº 155 de 16 de Março de 1843, que dizia:

“Tendo approvado o plano que me apresentou Paulo Barbosa da Silva, do Meu Conselho, Official Mór, e Mordomo de Minha Imperial Casa, de arrendar a Minha Fazenda denominada “Corrego Seco” ao Major de Engenheiros Koeler; pela quantia de um conto de réis annual, reservando um terreno sufficiente para nelle se edificar um Palacio para Mim, com suas dependencias e jardins, outro para uma povoação, que deverá ser afórado a particulares, e assim como cem braças dum e outro lado da estrada geral, que corta aquella Fazenda, o qual deverá tambem ser afórado a particulares, em datas ou prazos de cinco braças indivisiveis, pelo preço porque se convencionarem, nunca menos de mil réis por braça :
Hei por bem authorisar o sobredito Mordomo a dar execução ao dito plano sob estas condições. E outrosim o Authorizo a fazer demarcar um terreno para nelle se edificar uma Igreja com a invocação de S. Pedro de Alcantara, a qual terá uma superficie equivalente a quarenta braças quadradas, no logar que mais convier aos visinhos e foreiros, do qual terreno lhes faço doação para este fim e para o cemiterio da futura povoação. Ordeno portanto ao sobredito Mordomo que proceda aos ajustes e escripturas necessarias, n’esta conformidade, com as devidas cautelas e circumstancias de localidades, e outrosim que forneça a minhas espenças os vazos sagrados, e ornamentos para a sobredicta Igreja, logo que esteja em termos de n’ella se poder celebrar. Paço da Boa Vista deseseis de Março de 1843, vigesimo segundo da Independencia e do Imperio. Dom Pedro II. Paulo Barbosa da Silva. Conforme, Augusto Candido Xavier de Brito.”

O Decreto não fala de Petrópolis, somente em Córrego Seco. Donde, então surgiu o nome? Paulo Barbosa e notas escritas para o livro de Ribergrolles  atribui a si a autoria: “Lembrando-se de Petersburgo, cidade de Pedro recorrido ao Grego e achei uma cidade com este nome no arquipélago, e sendo o Imperador d. Pedro, julguei que lhe caberia bem este nome.”

Mas o plano de Koeler era instalar na fazenda imperial uma colônia agrícola de alemães. Já possuía ele experiência no assunto: em 1837, arribara ao Rio de Janeiro uma navio transportando imigrantes germânicos para a Austrália e que os maus tratos recebidos e o péssimo passadio, provocaram mil revoltas a bordo, obrigando o capitão a desviar-se para a baía de Guanabara. Recusando-se a prosseguir a viagem, foram entregues a Koeler, que estava então, encarregado dos trabalhos da estrada, ligando o Porto da Estrela à Paraíba do Sul, passando por Córrego Seco. Levou Koeler esses seus patrícios a trabalhar nas obras de que estava incumbido; e tão bem sucedida foi essa experiência que mudou a mentalidade dos nossos governantes, partidários até então do trabalho escravo.

Assim, iniciou o Presidente da Província Fluminense, entendimentos com firmas europeias especializadas no intuito de contratar colonos alemães para as obras públicas províncias.

São pois, duas iniciativas paralelas de Koeler! Para colonização de Petrópolis e da Província para as obras públicas. Mas enquanto aquele pretendia gente especializada para sua colônia agrícola, buscava a Presidência Fluminense, operários de um modo geral que contrata, por intermédio de Jênio Pizani, representante de Charles Delrue de Dunquerque, 600 colonos, responsabilizando-se ainda a Província pelas passagens das mulheres e dos filhos menores.

Na tradução do contrato para o alemão foram substituídas palavras mulheres e filhos por família – e, tomada a expressão no seu sentido mais amplo trazendo cada casal, como sua família, parentes em vários graus...

O 1º navio do contrato Virginie, chega ao Rio a 13 de junho de 1845. Façamos um parênteses para imaginar qual teria sido a impressão desses imigrantes: depois de mais um mês de incômoda viagem – cujo passado deixou muito a desejar – atingiram o Rio de Janeiro ao entardecer diante dessa baía imensa ainda cercada de espessa mata, no dia de Santo Antônio, festejado pelos portugueses com fogueiras e foguetórios, fechamos o parênteses.

O navio Justine trazia carga de 13 famílias, mas num total de 170 pessoas, entre velhos e crianças, que não eram certamente, indicados paras as obras públicas provinciais.

E nos dias subsequentes outros navios com idêntica espécie de passageiros... Não estava a província preparada para abrigar toda essa gente. Aquela então para o mordomo o qual por ordem do Imperador, manda que sejam entregues a Koeler. Sobem então a serra e chegam ao antigo Córrego Seco no dia 29 de junho de 1845 que ficou sendo considerado como dia da Colonização de Petrópolis.

Distribui Koeler os colonos pelos prazos assinalados na planta de povoação por ele elaborada, a qual se verifica é anterior à criação do povoado, e sendo assim pode Petrópolis reivindicar o título de 1ª cidade planejada do Brasil. Em torno do núcleo central, nessa planta denominada Vila Imperial, projetou Koeler os vários quarteirões designados com os nomes dos locais de onde procediam os colonos, abrasileirados alguns, no original a maioria Bingen, Mosela, Ingelheim, Siméria, Westfália, Castelânea, Palatinado, Renânia, Worns, Nassau, Darmstadt, Woerstadt.

Estabelecidos nos seus prazos adquiridos pelo sistema de enfiteuse, tinham os colonos como seu primeiro serviço a construção do Palácio do Imperador, iniciados os trabalhos pelo preparo do terreno, o que já vinha sendo feito desde de janeiro de 1845, por africanos livres.

A pedra fundamental foi lançada na presença do Imperador a 18 de julho de 1845, o qual determinou fosse o palácio localizado junto à confluência das ruas do Imperador e da Imperatriz.

As obras seguiram o plano original de Koeler, modificado quanto à frontaria pelo artista italiano Cristófono Bonimi. Grandes artistas se sucederam na administração e decoração da obra: José Maria Jacinto Rebelo, Manoel de Araújo Porto Alegre, J. Cândido e Vicente Marques Lisboa. A Koeler conta apenas a construção da ala direita inicialmente de zinco, substituída mais tarde, e reformada pelos sucessores, depois da sua trágica morte em 1847.

Foi ele enterrado no primitivo cemitério da Colônia, localizado no Triângulo Serrano, onde hoje se encontra a Igreja do Sagrado Coração de Jesus e o Convento dos Franciscanos. Com a inauguração do novo cemitério foram seus restos mortais, transferidos para esse campo santo, enterrados ao lado da Capela, onde permaneceram por longos anos, até que, em 1955 foram transladados para a base da estátua erguida em sua homenagem, obra do escultor Antônio Leraldes.

Jornal: Tribuna de Petrópolis, 25 de junho de 1994.

Palácio de Verão de Petrópolis. 
FRIEDRICH HAGEDORN, TÊMPERA, CA. 1855. ACERVO MUSEU IMPERIAL/IBRAM/MINC