Alcindo Sodré
A primeira linha férrea construída
no Brasil foi a da Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro
de Petrópolis, por concessão feita a Irineu Evangelista de Souza, pelo decreto
do Poder Executivo de 12 de Junho de 1852.
A inauguração do primeiro trecho
concluído, que ia do Porto de Mauá até ao Fragoso próximo da Raiz da Serra,
verificou-se a 30 de Abril de 1854.
As solenidades festivas estiveram
bem à altura da importância do empreendimento.
Logo pela manhã desse dia
inúmeras embarcações partiram do Rio de Janeiro carregadas de gente que
desejava alcançar o porto de Mauá antes de Suas Majestades e sua corte, para
apreciar em todos os seus detalhes, as cerimônias com que seria consagrado o
inicio de tão importante melhoramento para a vida nacional.
A hora aprazada atracou o navio
que conduzia Suas Majestades e logo uma girândola de foguetes anunciou o seu
desembarque. Inúmeras bandeiras agitavam-se ao vento, como que partilhando das
estrondosas saudações e dos acordes de uma banda marcial. Suas majestades recebidas
pelo diretor da empresa atravessam duas extensas de pessoas, acompanhados por
notáveis do império, dirigindo-se para o local destinado. Um dos grandes armazéns
de ferro, tinha sido preparado com a galerias para acomodar os assistentes
tendo ao centro dispostos, não só os tronos do Imperador e da Imperatriz, como
a capela e o altar improvisados onde o bispo iria celebrar, bem como os
lugares, distintos para os ministros de Estado e o corpo diplomático.
Quando o Imperador tomou o lugar
que lhe tinha sido reservado, principiou o cerimonial da benção das
locomotivas, ao som de música apropriada ao ato.
Feito o que, as máquinas
preparam-se para a viagem. Pedro II e Thereza Cristina foram conduzidos a seu
carro pelo sr. Irineu Evangelista de Souza, enquanto os demais convidados
tomavam assento em outras seções, partiu o trem sob delirantes vivas da
multidão entusiasmada.
Soldados da Guarda Nacional
estavam postados ao longo da linha e todas as alturas estavam cheias de
espectadores.
A chegada do comboio ao Fragoso
foi saudada por foguetes. Suas Majestades e comitiva desceram e foram servidos de
refrescos, voltando logo depois para Mauá, caminhando o trem, numa média de 35
milhas por hora.
O Imperador e sua consorte, ao
aparecerem manifestaram a viva satisfação de que se achavam possuídos e a
agradável impressão que se inaugurava no Brasil.
Irineu de Souza, presidente da
empresa, dirigiu-se então a S. M. Imperador, discorrendo com precisão sobre as
vantagens que as estradas de ferro trariam ao Império e estas foram as suas
ultimas palavras:
“Este caminho de ferro, Senhor,
não será destinado a circunscrever-se dentro dos atuais limites, e se me é licito
contar coma proteção de V.M.I., ele certamente não terminará sem que sua mais
vasta estação seja colocada na margem esquerda do Rio das Velhas. Ali se
acumularão, para ser transportadas ao mercado do Rio, essas imensas massas de
produção, com que contribuirá para a prosperidade pública, a região banhada por
essa importante, arteira fluvial do Rio São Francisco. Será então, Senhor, que
a majestosa Bahia, cujas águas banham as costas da capital do Império, verá
seus espaçosos e abrigados ancoradouros cobertos de inumeráveis navios. Então,
Senhor, será o Rio de Janeiro o centro do comércio, da industria da saúde, da
civilização e da força, nada tendo que invejar a lugar algum do mundo.”
S.M. o Imperador, assim lhe respondeu:
“Os diretores da Imperial Estrada
de Ferro de Petrópolis e da Companhia de Navegação a Vapor podem ficar certos
de que por igual compartilho o seu regozijo na estréia de uma empresa que tem
de animar tão grandemente o comércio, as artes e a indústria deste Império.”
Nessa altura, S.M. conferiu ao
Sr. Irineu de Souza, o título de Barão de Mauá, em reconhecimento dos serviços
prestados a Pátria.
Acompanhado pelo Barão de Mauá e
engenheiros, Sua Majestade percorreu depois as obras de linha e as oficinas.
A estação tinha sido grandemente enfeitada e
nela se achava servido farto banquete, do qual participaram o Imperador e seu
séquito, bem como todas as pessoas gradas, enquanto outros três partiam,
conduzindo muitos espectadores.
Em 1858, a conhecida revista britânica
“London Illustrated News”, dedicou interessante crônica, com gravuras, sobre
esse memorável acontecimento nacional e nela foi escrito o seguinte:
“Quando refletimos que as obras
deste caminho de ferro foram executadas no curto espaço de 20 meses, debaixo
dos ardentes raios de um Sol Tropical e tão grande distância da Inglaterra, não
podemos regatear louvores aqueles que se abalançaram a semelhante obra.
Felicitamos sinceramente os
brasileiros pelo nobre espírito que desenvolveram no começo dessa obra de tanta
magnitude.”
Em 26 de Março de 1856, no
Relátorio da Imperial Companhia de Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis
apresentado a Assembleia Geral de Acionistas, o Sr. Barão de Mauá, como seu
presidente, dizia:
“ Acha-se concluído o trilho até
a Raiz da Serra. Toda a estrada acha-se no melhor estado, tendo resistido a
notáveis provações em conseqüência das grandes enchentes que temos presenciados
nos últimos seis meses, sendo uma delas superior a qualquer outra das que se
tem observado desde o ano de 1854.
A solidez da construção da
estrada de ferro de Mauá não pode, pois ser mais posta em dúvida. Uma linha férrea
singela, constituída sobre um terreno, parte do qual não podia ser pior para
semelhantes construções, e que o trânsito público tenha sido interrompido um só
dia, está a prova de tudo.
A estação do Alto da Serra no
começo, da Vila Thereza, compõe-se de um vasto edifício de ferro. O elevado algarismo
que representa o custo desta estação foi em parte devido à enormidade do
serviço de aterros que foi preciso fazer naquela localidade.
A estação da Raiz da Serra, que
se compõe de três grandes armazéns de
ferro, chegou de Inglaterra em principio os vapores “Guarani”, “Mauá” e “Piabanha”.
Transitaram na linha férrea no ano próximo passado, 31.3982 passageiros,
produzindo a renda de 126:796$800.”
E nas considerações gerais sobre
a importância da obra realizada, escreveu ainda o Barão de Mauá:
“Se a produção em obediência a condições naturais
se opera a grandes distâncias do litoral, forçoso é franquear-lhe passagem
rápida e econômica até os grandes mercados do litoral , sob pena de retrogradar
o país, de perigar a civilização. Os meios primitivos que eram até agora
facultados a produção para vir procurar mercado, não bastam para vir procurar
mercado, não bastam para satisfazer as exigências crescentes da nossa riqueza
agrícola. O valor do produto transportado mesmo de distancias moderadas é quase
que absorvido pelas despesas do semelhantes estado não pode, não deve continuar.
E ao clamor público que já se fez ouvir, ao brado unânime de – Estradas! – e repercute
de todos os ângulos do Império, respondem finalmente os governantes – Estradas!”
O prolongamento da linha férrea até
Petrópolis, que se verificaria após trinta anos do tráfego existentes na
baixada foi vencendo aos poucos, as dificuldades da serra. A 4 de Janeiro de
1883, passava o primeiro trem pelo viaduto da Grota Funda. O fato constituiu
festa local com grande afluência de povo. O trem composto de uma locomotiva e três
carros levavam a diretoria da Estrada e sua comitiva. Em bosque ao lado da
cachoeira da Grota Funda, foi servido esplendido almoço, tocando na ocasião a
banda “15 de Março”. Entre os oradores discursou o senador Christiano Ottoni,
enaltecendo a obra dos engenheiros patrícios e em especial a figura do Barão de
Mauá, “o pioneiro da estrada de ferro no Brasil”.
E a 11 de Fevereiro do mesmo ano,
pelas 9 horas da manhã de um domingo, chegava a Petrópolis a primeira
locomotiva, conduzindo S. M. o Imperador e grande número de passageiros vindo
da Corte. Ficou, assim completado o trecho da serra até Petrópolis, construído
que foi pelo engenheiro Joaquim Lisboa, com auxilio de Marcellino Ramos. O sistema
da serra, em cremalheira, era o do europeu Nicolau Rigenbach. Foram seus
concessionários Berrini e os Calógeras (Miguel e Pandiá) e da companhia que
então se organizou (Estrada de Ferro Príncipe Grão Pará, com plano de
estender-se até S. José do Rio Preto) foi presidente o Sr. João da Silva
Coutinho.
A 30 de Abril de 1884, presentes
na estação de Petrópolis, o juiz de Direito e demais autoridades, a diretoria
da Companhia Príncipe Grão Pará e muitos espectadores, foram inaugurados o
busto do Visconde de Mauá, em comemoração, ao 30° aniversário da abertura ao
trafego da primeira via ferra do país.
Falou, em saudação a Mauá, que se
achava presente o presidente da diretoria João Martins da Silva Coutinho, de
cujas palavras constaram as seguintes:
“Para vencer a serra da Estrela,
despendeu o Visconde de Mauá avultados capitais em diversas tentativas e ainda
foi o primeiro que mandou estudar na serra a aplicação do sistema de
cremalheira. Dando assim o mais solene testemunho do apreço em que tem os
importantes serviços do Visconde de Mauá, a diretoria não só manifesta seus próprios
sentimentos como também o dos acionistas da companhia que representa. Viva o
Visconde de Mauá!”
Artigo publicado:
Trabalhos da Comissão do Centenário - Vol. II, 1939